by Guilherme Buesso

segunda-feira, 6 de novembro de 2017

A escola está emburrecendo alunos?

    Mundialmente, a área de conhecimento "Exata" é hipervalorizada, enquanto áreas que não compartilham desse natureza lógica, são atribuídos menores valores. Logicamente, não estão precipitados em promover o desenvolvimento desse campo, já que esses estudos oferecem um vasto avanço na tecnologia contemporânea. Porém, o problema está alojado quando há completo desprezo na parte humana das inteligências. Sendo assim, nossa sociedade está treinada culturalmente a incentivar nossos estudantes a seguirem carreira no campo hipervalorizado, assim o faz a escola: deixando o aluno 'burro'.
    Garanto que o argumento de todos os professores de Exatas seja o fato de querer instigar o aluno a aprender mais, a ser curioso. Porém, esse argumento é contraposto quando a instituição de ensino, por focar apenas numa área específica de conhecimento, acaba trocando a curiosidade dos alunos no início da carreira acadêmica, por um padrão predefinido. Se cumprissem a risca o que dizem, despertariam nos alunos a vontade de aprender a questionar o dito como verdade absoluta, e para isso, precisamos do ensino rigoroso das Ciências Humanas.
    Isso quer dizer que, nunca farão os alunos atingirem tal estágio de curiosidade, se apenas os querem para aprender uniformemente sobre uma singular matéria. Além disso, quando um aluno quer traçar sua carreira numa área humana do conhecimento, é imediatamente visto com olhares reprovados pelos educadores que visam um destino exato. Claramente, carreiras intelectuais na área de números, permitem a entrada financeiramente farta em multinacionais e grandes empresas,  de antemão, não são apenas números que formam cidadãos. Se todos fossem viciados em números e exatidão, não teríamos grupos revolucionários que ajustam a sociedade para o melhor. Não teríamos grupos de intelectuais filósofos ou sociólogos.
   O problema, no entanto, não é a valorização da parte exata do conhecimento, e sim, o modo mecânico de como este conhecimento é repassado. Não instigaremos nossos estudantes se continuarmos a ensina-los regras, como se representassem uma figura robótica. Não faremos nenhum progresso se a informação fática (aquela que se baseia em fatos objetivos) e terminológica (definida facilmente por uma palavra ou termo, pequena definição) continuar sendo explorada no ensino. Já que essas informações são mecanicamente memorizadas pelos alunos. Infelizmente, essas informações constituem 71% do conhecimento "absorvido" pelos jovens.
    Todos sabemos que o conhecimento é uma questão que exercemos apassionadamente; não fazemos para nós, fazemos para os demais. E se não houver mudanças que adequem e acolham os estudantes em demais áreas, onde saberão que terão segurança, o futuro mercado de trabalho mundial estará corrompido e infectado por profissionais que não gostam do que fazem, tornando o ambiente profissional um desagradável recinto para todos empregados.
     Em suma, mudanças na consideração inteligente dos conhecimentos, precisam ser feitas para melhor abrigar todos os diferentes profissionais. Assim, pondo todos os trabalhadores de diferentes inteligências em conforto, sem valorização de uma que afete o senso crítico popular.


Guilherme H. N. Buesso
 

sábado, 17 de dezembro de 2016

Contos: ROUBO À COROA HOLANDESA (parte 2, final)

   Logo que me levantei, observei que a planície do enorme tapete de seda vermelho, era interrompida por ondas. Ondulações que acreditei serem da quedas dos soldados. E, nelas, havia uma espécie de pó pálido, muito parecido esteticamente com farinha. Estes mesmos resíduos eram presentes também na almofada em que jazia a coroa, e formava plenos formatos de dedos delicados, que antes se apoiaram no estofado antes de tocar o objeto rico.
  — Devo acrescentar, senhor Van Geboorte — iniciou o Rei —, que deixei o recinto da mesma forma que o encontrei. Não considerando a presença dos homens caídos, que aí faziam um fatídico repouso.
    Apenas fiz um gesto de concordância com a cabeça.
    Cheguei a conclusão que eram dedos femininos, a espessura era única deste sexo. Aliás, a delicadeza com o que o pó fora jogado naquele cômodo; não foi rude.
  — Se me permite a invasão, Vossa Alteza, me locomoverei deste cômodo á outros. Se desejar me acompanhar, fica a vossa mercê.
  — Ficarei aqui mesmo, senhor.
    Me vi em passos delicados, e em olhos investigativos saindo daquele grande cômodo. Resolvi seguir logo para o quarto, que era onde Majestade descreveu onde estivera durante toda a ação criminosa. As poças secas e escuras de sangue, pintavam o carpete com seu vermelhidão intenso. Abri a porta, e tudo estava arrumado. Algumas cartas pendiam sobre a escrivaninha e o tinteiro destampado pairava por lá. Lembrei-me de Guilherme III sugerir que sua esposa uma vez afirmou que fugiria pela janela, uma vez que casa estivesse em chamas, foi quando me pus a analisar a saída da plana janela.
    Com minha lente, vi marcas do mesmo pó que desmaiou os soldados da coroa holandesa, em forma de pegadas, na janela. Pronto! tinha solucionado o caso, Alguém havia fugido pela janela, e este, foi o mesmo mal-feitor que possui a coroa, agora. Mas, essa única pessoa deveria ser Sofia. O que me levou a me questionar, dentro daquela habitação confortável, com  móveis todos requintados com peças douradas, o porquê de a mulher de um dos homens mais avantajados monetariamente, fugir e ainda levar a coroa. Teria uma maquia enorme se vendesse a coroa ou as peças que a compõe, mas e depois? Voltaria ela para o Palácio, se redimindo por sua ânsia por liberdade inusitada? Realmente não fazia sentido, até que me deu um súbito intelectual e tudo fez mais sentido do que nunca. A resposta estava diante de meus olhos o tempo todo, mas fui cego demais, procurando justificativas mais complexas, não as genéricas. Contudo, ainda precisava confirmar a minha teoria.
    Se Sofia tivesse mesmo pulado da janela, por mais do risco considerável da altura, a mesma teria deixado algum resquício do feito para trás. Então, teria que me dedicar integralmente para comprovar a descida da recentemente intitulada, "ladra".
    O pó era a evidência mais sugestiva e mais fácil de se notar. Mesmo assim, analisei os batentes da janelas por dentro, para checar se nenhuma pista de material para a preservação da integridade física da moça, foi deixada. Depois de minutos com o vento cortante devido à janela aberta, vislumbrei um par de pregos grossos, brilhando contra a luz do sol pouco intenso para o frio que o clima apresentava. Encantado com a descoberta, não me contentei apenas de vê-los pelo lado interior do recinto, mas teria de tocá-los; o que me fez ficar suspenso aos batentes apenas com meus pés envoltos do melhor sapato que tomo posse, de uma altura ameaçadora. Era claro que não tinham sido pregados havia tempo, pois os farelos da ação bruta do martelo era visível. Toquei-os, depois os encarei de pé na plataforma e, como suspeitava, continham pedaços de tecido rasgado. O que não me clareou radicalmente os horizontes como eu esperava que fosse, pois havia duas hipóteses: ou ela ter descido em tal velocidade por um trapo extenso suspenso nos pregos, que o mesmo rasgou, o que explica o afundamento no gramado do jardim traseiro; ou que a mesma tinha o plano de deslizar como descrevi, só que o tecido não suportou seu peso, e rasgou na mesma hora que ela montou-se nele. Mas a última hipótese é muito pouco provável, porque senão o seu ajudante — sim, havia uma terceira pessoa, porque tinha de derrubar os homens das duas salas, que eram vizinhas, ao mesmo tempo do roubo da coroa — não teria tempo o suficiente para socorrê-la. Além de tudo, como ela iria deslizar daqui de seu quarto, se na hora do roubo e da chacina, o Rei Guilherme III estava presente no quarto? Tudo se tornou mais obscuro.
    Enquanto operava as ideias e suposições hipotéticas, meus pés sustentavam meu corpo ainda de pé no batente da janela. Quando quem eu gostaria de encontrar, aparece no quarto:
  — O que faz aí, senhor Van Geboorte? — questiona o Rei, ao entrar — Não afirme a minha pessoa que também pretende se jogar desta janela, como suspeito de minha ex-mulher.
  — O senhor pode ir sustentando essas loucuras, Majestade — disse eu, descendo do batente com ar confiante. — Pois estou cogitando o fato de que sua mulher não só fugira por esta janela com um trapo que a permitiria alcançar o solo sem maiores orquestras, mas também de que ela roubou a coroa.
    Uma expressão de luto assumiu a face de meu cliente, que ficou pálido como o pó assassino que examinei.
  — Não acredito que ela se atreveu a este feito! — exclamou com veemência, quando logo sua expressão de horror se substituiu por raiva — O que ela espera deste roubo? Mais riqueza ainda? Agora que me disse, detetive, abriu meus olhos. Pois é lógico a conexão dos fatos aqui encenados. Mas não creio que Sofia se pôs a isto. Esperava isto de todos, menos dela. Por Deus, senhor, se eu a encontrar...
  — Não há de fazer nenhum alarido sequer se não deseja atrair polêmicas mundias a respeito, e o seus pensamentos violentos devem permanecer em sua mente. Nestas situações, o escândalo não é recomendável. Isto será encaminhamento da polícia de Amsterdã, se é que esta ainda funciona. Agora, se me permite, Vossa Majestade, quando veio escrever a carta à anunciando o divórcio á sua mulher, as cortinas estavam cerradas ou abertas, escancaradas como se encontram?
  — Arrisco-me ao dizer que estavam escancaradas, pois esta parte esquerda estava um pouco recostada, senhor.
    Isso me levou a mais teorias improváveis: talvez, eles teriam descido pela janela do quarto vizinho àquele, mas o que explicaria a condição amassada do gramado. Porém, não custa tentar provar o impossível. Me dirigi ao quarto ao lado, sem anunciar ao Rei. Lá, executei o mesmo método de dependurar-me na janela, e lá estavam  os grossos pregos com retalhos rasgados entre eles, assim como na outra habitação.
    Tudo não fazia sentido... Até eu analisar as pegadas nos batentes: neste, continha a mesma pegada que havia na outra, pequena e delicada, que era, obviamente, o calçado de Sofia; porém outro par de calçados lhe acompanhava. Esta pegada branca, era certamente de um homem, com traços radicais e mais despojados. Calçava aproximadamente o meu número, 42. Depois de uma análise deste conjunto de pistas, finalmente consegui identificar a marca do sapato masculino, o que não seria possível se meu pai e meu tio não fossem viciados em sapatos estrangeiros: era da marca "Dkode". Famosa marca portuguesa com modelos de couro. Geralmente, os holandeses não usam este tipo específico de sapato — uma vez que estes não são meus membros familiares —, então, eu deveria procurar por reais e legítimos imigrantes portugueses.
    Os únicos imigrantes portugueses que eu tinha conhecimento, era o professor de matemática Vasco de Montra e, na verdade, apenas ele. Assim, como última, mas útil opção, tinha de recorrer ao Oficial Fritz Van Persen, de quem podia arrancar com toda liberdade documentos de civis, assim como suas fichas. Me despedi cordialmente do Rei Guilherme III, e o consultei de possíveis visitas posteriores, ele me concretou que eu poderia invadir o Palácio Real para minhas investigações sobre este caso, e que se necessário, poderia trazer parceiros, desde que comprovem ser agentes investigativos praticantes do bem.
    Logo depois daquela ilustre visita ao Palácio, tomei um carro que me levaria de imediato à delegacia. Neste ínterim, aproveitei a brisa cortante do vento em minha face, enquanto chacoalhava e ouvia os penduricalhos do cocheiro no cabriolé, para refletir e juntar todas as informações ocultas e ralas que obtive. O quebrar estrondoso de um vidro, aquele pó que desmaiou os soldados servos da coroa holandesa, os pregos com trapos presentes neles. Certamente, tudo havia uma concisa sucessão, o primeiro ato da quebra barulhenta dos vidros, o segundo o desmaio conjunto dos membros que seguravam o território real, depois, a captura apressada da coroa e, por fim, a escapada pelas janelas. Mas nada justificava a roda de mortos na porta do Rei, e tudo indicava que um único matou todos para depois cometer suicídio.
    O caso estava claro e parcialmente solucionado para mim, a mulher de Guilherme III fugira com a coroa e com um segundo impostor — que era, obviamente, o estrangeiro com quem a mesma traía seu marido. E que agora constatei que o mesmo é um português legítimo —, mas apenas considero a trama cem porcento fechada, quando ponho as mãos nos criminosos. E, talvez, seja tarde demais para ir atrás dos malandros, pois já se passaram algumas horas desde o feito.
    Na delegacia, me dirigi tão rápido e apressadamente para a mesa de Van Persen, que os que trabalhavam no escritório frontal, nem me notaram e vieram me perseguir correndo, tentando me alcançar, até que me vi na mesa do oficial.
  — Não sou um criminoso, oras! — exclamei ofegante e assim, a multidão de policiais se dissipou atrás de mim — Oficial, preciso de sua ajuda.
  — Claro, em que posso ajudar? Me parece muito agitado e ofegante, por favor, tenha um charuto para que possamos nos atender melhor,
  — Não. Preciso imediatamente do registro de todos os portugueses que habitam a Holanda. Por favor, faça-o rápido.
    Dentro de alguns minutos, Fritz se aproxima com duas pastas feitas de papelão fino, com uma grossura não muito espessa.
  — Não são muitos os portugueses que migram pros Países Baixos, Dominic, sinto muito — disse o oficial, pondo-as na mesa.— E se pretende incriminar um deles, posso lhe garantir que um não se envolve com esse tipo de finanças. Esse que possui cabelos negros e olhos claros; pois frequentamos o mesmo colégio quando migrou para cá aos dezessete anos de idade.
  — Apenas dois imigrantes? Por Deus, Fritz, tem certeza que não deixou algum para trás? — perguntei, horrorizado — Ah, e muito obrigado pelas fichas.
  — Tenho absoluta certeza.
    Por um momento, me vi em uma prisão escura, que me cerravam os olhos diante de pôr as mãos no culpado, mas me dei conta que, se fosse apenas um suspeito, eu teria a capacidade aprimorada de arrancar-lhe detalhes.
    Abri a ficha, e lá estava a rosto fotografado, em escalas acinzentadas de preto e branco, do português mentiroso que interrogou o comerciante Hendrik junto á uma garota; rosto quadrado e queixo largo. Nos documentos, está como se apresentou: porteiro da universidade mais venerada do país, com o nome de Claus Constantino.
    Não perdi tempo, apanhei um dos charutos que Van Persen me oferecera, e saí correndo novamente pela delegacia. Tudo fazia sentido agora, todos os fatos que me dediquei a investigar sobre o crime. Todos formavam uma melodia cantada por anjos criminólogos em meus ouvidos, gargalhando ia minha pessoa, correndo direto ao cronograma de itinerários dos próximos trens, estourando orgulho pelas ventas. Depois de correr exaustivos 800 metros, me vi numa das placas de ferro informativas. O próximo trem era 16h30 para Portugal e para o porto, onde saía uma embarcação para a Inglaterra, ambos partiam na mesma estação. O vento nunca cantou melodia mais alegre e espontânea em meus tímpanos.
    Agora, era hora de invadir o Palácio novamente para que minha teoria se concretasse e que poderíamos seguir o rastro óbvio dos dois amantes criminais. Chamei um carro e saltei dentro dele, gritei para o cocheiro ir na maior velocidade com seus alazões que já tivesse ido na vida, e assim o fez. A velocidade era tão contínua e apressada que tive o sentimento que nunca chegaríamos no destino. Foram os quilômetros mais extensos que já tive a infelicidade de presenciar. Até que enfim, saltei para as portas do recinto real.
    — Acabou de ajudar na recuperação da coroa deste país, muito obrigado! — orei apressadamente para o cocheiro —.
    Corri como se não houvesse outra alternativa, como se a escuridão estivesse consumindo a minha traseira e que a única opção restada, era a corrida. Cheguei escancarando a porta de entrada principal da moradia, e alguns soldados recrutados recentemente para cobrir os doentes, se alarmaram.
  — Não, homens! — ordenou uma voz imperativa familiar, era Guilherme III — Este homem cumpre grande missão para comigo, ele se dispõe de seu intelecto puro para que se faça honorável a lei e justiça para com àqueles que tiveram o infortúnio de roubar a coroa.
    Nisso, todos os homens abaixaram suas armas.
  — Majestade, eu solucionei o caso — disse eu, ofegante. Com isso, os olhos do Rei se arregalaram de forma que pensei que ele os poria pra fora.
  — Como disse?
  — Isto mesmo que o senhor acabara de ouvir. E se não nos apressarmos, não conseguiremos pôr nossas mãos injustiçadas na coroa ainda hoje!
  — Pois então me diga, homem de Deus, como o faremos?
  — Ordene todos os seus homens restantes para a estação de trem principal da Holanda, de imigração. E faça por certeza de apanhar seu cavalo mais potente em questões de velocidade, pois iremos precisar. E sem maiores distrações, partiremos!
    O Rei mal esperou-me terminar a frase, e já ordenava a criadagem a fazer o preparativos do carro, para nós e para os soldados restantes — que deveriam ser uns doze. A agitação no palácio era contínua e incentivadora, dentro de quinze minutos, estávamos prontos, também foi quando o Oficial Van Persen era trazido pelos soldados do lado exterior da residência.
  — Ele diz ser parceiro de Dominic Van Persen, Vossa Majestade — descreveu um soldado, mobilizando-o por trás. Não pude deixar de notar a cara hilária do oficial em permeio de dor.
  — Sim, o conheço — afirmei para o soldado, que parecia esperar a aprovação de seu patrão.
  — Se o senhor Van Persen o tem como conhecido, apenas suplico que comprove sua relação com investigação ou servidão para com a justiça — pediu o Rei, já convencido.
    Os soldados o desmobilizaram para que o mesmo pudesse apanhar seu distintivo, que logo mostrou-o para o Rei, que fez um sinal para que os guardas o largassem.
  — O que faz aqui? — perguntei logo quando movia-se a minha direção.
  — Vim segui-lo. Com a pressa que saiu, sabia que era algo de importante e, por sorte, peguei o mesmo cabriolé que você, o que fez com que o cocheiro me dissesse para onde foste, meu caro amigo — detalhou Van Persen, esfregando as mãos por conta da pressão do segurar dos guardas.
  — Já que os dois possuem objetivo, nos movamos para o veículo que nos aguarda lá fora! — exclamou o Rei, enquanto seus soldados formavam uma fila admirável para encaixarem-se nos carros.
    Saímos primeiro que os outros. Naquela velocidade, alcançaríamos nosso destino em menos de dois quartos de hora. No meio de locomoção movido á alazões dourados, o Rei quis detalhes e como eu desenvolvi minha linha de raciocínio nem tão complexa:
  — Se me permite, detetive Van Geboorte, como foi desenvolvida essa façanha? Me refiro a como soube de tudo, como ligou os pontos?
  — Os pontos sempre estiveram lá, apenas não os percebemos para ligá-los, Majestade. Estou certo de tudo o que acontecera, mas apenas desejo comprovar os fatos que teorizo. Mas posso dizer-lhe que era óbvio a nacionalidade do homem com quem é traído pela sua ex-mulher, meu Rei, pelo menos para mim. Primeiramente, as pegadas pálidas que estavam imprimidas no batente escuro de sua janela, eram duas; uma de sua mulher, outra do amante dela. Percebidas pela mudança de tamanho, e estilo dos calçados. Percebi, Vossa Majestade, que sua mulher usa um tipo específico de sapatos quando visitei seu quarto para afins investigativos, e este estava marcando sua presença ilustre no batente; mas o outro, além de ser um tamanho masculino, era de uma marca portuguesa que meu pai e meu tio sempre veneravam, com isso notei a nacionalidade. Também foi impulsionada esta teoria pelas palavras expelidas de sua boca, senhor, que sua mulher o traía com um estrangeiro. Este mesmo português, é um mentiroso infame, que já mentiu até mesmo para mim, fingindo ser um porteiro de universidade, que estava nas fichas do oficial Van Persen, este que nos acompanha.
  — Não pode ser! — exclamou o oficial, surpreso e com indignação estampada na face.
  — Sim, este usava um documento falso. E realmente, é um professor universitário clandestino de Matemática, o que ajudou na desenvoltura de outros pontos do caso.
  — Então este português esteve fabricando seus maus lençóis desde que chegou neste país. Que salafrário! — afirmou o Rei, impondo certa tonalidade de raiva, mas mantendo a classe.
  — Este foi apenas um pequeno prefácio do episódio criminalístico que estes dois desenvolveram — acrescentei vivamente, entrelaçando os dedos.
    Depois dessa rápida demonstração de meus métodos, movi minha cabeça para a paisagem que se projetava no horizonte da tarde e mergulhei-me em pensamentos sobre o porquê de todo o acontecimento, enquanto Van Persen e o Rei Guilherme III debatiam sobre política asiática.
    O tempo finalmente se foi, passou como vento de outono tardio. Meus pensamentos me fizeram viajar para uma realidade longínqua, onde as hipóteses sobre o caso eram várias. Paramos o carro, saltamos direto para a estação, porém havíamos aterrissado no lado direito das plataformas, que esta iria para o porto, onde seria tomado a embarcação para a Inglaterra. Eram 16h20, e se eles não estivessem lá para começar o processo de imigração, então eu deveria pensar rápido. A plataforma estava cheia de pessoas, notava-se que vinham de diferentes lugares da Europa, pois podia-se ouvir conversas em italiano, português, inglês, francês, alemão, entre outras.
  — Certo, Dominic, estamos aqui, mas onde se encontra os mal-feitores? — perguntou apressadamente o oficial, enquanto nós três púnhamos nossas cabeças erguidas para fora da multidão como suricatos, a fim de os encontrar.
  — Majestade, como estava vestida sua mulher neste dia? — perguntei, para poder procurá-los melhor.
  — Encontrava-se vestida com um vestido longo, amarelado e com rendas douradas na cintura — descreveu imediatamente o Rei.
    Deslizando os olhos pelo mar de gente, os identifiquei. O português mentiroso usava o mesmo chapéu do dia no qual nos encontramos pela primeira vez. Saí em disparada atropelando civis, esbarrando meus ombros largos em todos que se transporiam diante de mim, e oficial era responsável pelos pedidos de desculpas, já o Rei, atraía olhares incrédulos. O par se encontrava na plataforma que ia para Portugal, ou seja, a contrária da qual estávamos; tínhamos que atravessar os trilhos.
    Enquanto corríamos, um sujeito maltrapilho nos parou, interrompendo passagem, para pedir esmolas caridosas. Por meio de resmungos e gemidos, o rosto de Van Persen se deformava indicando estranheza:
  — Mas que sonoplastia mais horrenda e desagradável, meu caro! — exclamou enquanto procurava uma brecha para correr, como todos nós.
  — Por Deus, Van Persen, não seja rude! Este homem é mudo e surdo! — descrevi com certa impaciência. No mesmo momento, conversei com ele por meio do alfabeto de sinais, que aprendi numa experiência na Bélgica. O informei que estávamos apressados, e que não tínhamos nada para dar-lhe. Assim, este abriu espaço por entre a multidão.
    Nossa corrida até a altura que se encontravam os criminosos, nos deixou demasiado ofegantes, mas parece que o Rei despertou um sentimento involuntário quando, por um vislumbre, estava de frente para sua amada, mas os trilhos criavam uma distância de dez metros de ambos. E assim, gritou:
  — Sofia!
    Nesta hora a mesma se assustou, em seu vestido amarelado e com um chapéu que lhe cobria parte da face, pendia uma sacola vermelha que estava em suas costas, e tinha o formato exato da coroa.
  — Vamos, Sofia. Volte para o Palácio e fazemos nossas pazes! — acrescentou o Rei, paralisando a multidão em olhares fixos a ele.
    No momento de pronunciação destas palavras, podia-se ver o português atrás dela, também estupefato. O mesmo, agarrou a mão de Sofia e a fez correr, neste momento, o trem encostou na plataforma para recolher seus passageiros. Claramente, teriam corrido para dentro do veículo. Nisso, quis pular nos trilhos e saltar para a outra plataforma, mas vinha um trem, recostando também aos poucos. Não temi, e antes que pudesse controlar meus nervos, me vi em alta velocidade nos trilhos, em direção ao outro lado. Parece que o mundo se passou lentamente diante de meus olhos, vi as pessoas encarando admiradas o meu salto no trilho, Fritz e Guilherme III boquiabertos, e apenas um movimento ligeiro com meus pés para que não fosse pego pelo trem. E assim fiz. Senti o vento violento do trem nas minhas costas, e logo, estava em cima da plataforma. Entrei no trem, e comecei a procurar os dois criminosos que encobriram a vida do governante de meu país de nuvens negras.
    Pairando os olhos sobre cabeças viajantes, vi uma parte do vestido amarelado de Sofia entrando em outro vagão pela porta interna do trem, e assim os persegui até ficarem encurralados no final do veículo. Já sem saída, me avistaram e se encontravam transparentes de tão pálidos, até que localizaram o banheiro interno e se trancaram lá dentro. Em meio de chutes na maçaneta, os aterrorizei:
  — Não adianta ficarem presos aí dentro! Uma hora terão que sair, e será antes deste trem partir!
    Insisti tanto nos chutes que a porta finalmente se rompeu, e pensei comigo mesmo: "que sucesso de minha parte, eu arrombei esta porta sozinho. Logo eu que sou magro e raquítico". Ao cair da porta, os dois estavam recostados na janela do banheiro, aterrorizados, até que Vasco de Montra, o amante, toma a coroa ensacada da mão de sua mais nova mulher, e sai pela janela antes que eu pudesse impedi-lo. O trem começara a andar, e já atingira velocidade considerável quando decidi saltar da janela. Contudo, não poderia abandonar a outra criminosa, que algemei, e joguei pela janela de modo hilário. Mal pude conter o riso, mas preocupava-me com o fugitivo que estava com a coroa.
    Finalmente, o trem que iria para o porto, se locomove, e o Rei e o oficial, podem enxergar o que acontece neste lado da estação. Descem para os trilhos rapidamente, e se deparam com Sofia de quatro, algemada e com a cara ralada.
  — Foi uma situação de emergência — expliquei, sacudindo a terra da roupa. Percebi que Fritz também esboçava risos leves. — Agora, Majestade, onde estão seus homens? Os vi saindo atrás de nós.
  — O cocheiro deve ter tomado uma rota alternativa, senhor.
  — Então, tire este pobre-Diabo dos trilhos e tome conta dela, senhor, pois eu e Van Persen iremos atrás do amante.
    Com esta frase me despedi do Rei, e corri vislumbrando a pequena mancha de meu inimigo á frente.
  — É melhor estar em forma, oficial. Temos de correr um bocado. Também, espero que possua seu revólver consigo — disse, já ofegante.
  — Estou com ele, detetive. Não se preocupe, eu corro maratonas.
    De primeiro, duvidei do sujeito, mas após alguns instantes, ele me ultrapassa e assim chega mais perto do elemento e arrisca, atiçando sua arma da cintura, um tiro em seu pé. Erra, mas é isto o que faz o português cambalear de susto, tropeçar e cair, o que nos ajudou a diminuir a distância do homem.
    Van Persen finalmente o alcançou, lançou-se no ar, agarrando suas costas e o fazendo cair. Eu ainda estava distante, mas foi o tempo preciso para o oficial botar-lhe as algemas e comemorar calorosamente o fato que tínhamos recuperado a coroa. Estava com a sacola vermelha em mãos, e me mostrava, quando o criminoso lhe deu um soco de mãos juntas em seu nariz — com tanta veemência, que o fez sangrar —, e agarrou o artefato novamente, saindo correndo. A estação encontrava-se  no alto, e logo do lado, havia uma casa com várias torres próximas dos trilhos, e foi para esta exata casa que ladrão pulara. Livre de rodeios, pulei para o telhado junto dele.
    Era óbvio que pretendia entrar pela janela aberta da casa e assim traçar sua fuga. Sabendo disso, me pus em sua frente. Neste momento, o fugitivo me dera uma cabeçada doída e que me fez cambalear, mas não por muito tempo. Logo que me recompus, lhe dei um soco pela esquerda que quase o fez cair na tenda de frutas embaixo de nós, vendo-o sem muito equilíbrio, dei um chute na coroa que a fez voar, assim tomando sua posse. Mesmo sem a coroa, queria fugir, ou ao menos me dar uma bela surra. Entramos num combate corporal violento, e já que o sujeito desejava um combate, era um que ele teria: agarrei-o pelo pescoço e com o saco que continha o artefato amarrado no braço, me joguei junto a ele na tenda de frutas que havia. A altura não foi de toda feia, e não tive ferimentos devida a amortecida da queda no toldo. As frutas se espalhavam e corriam enquanto nos levantávamos, e junto delas, ia a coroa que escapara de seu embrulho e agora rodava pela rua. Nos encaramos e saímos para apanhá-la. Nisso, apanhei um saco de batatas que estava em minhas proximidades, e não hesitei quando a joguei em seu pés, o que o fez cair no solo úmido do final de tarde. Estava caminhando gloriosamente para a coroa quando um pé a para:
  — Há uma escada da estação para cá, poderiam tê-la utilizado — afirma uma voz suave, que logo reconheci.
  — Ora, Van Persen, este era o modo mais rápido e eficiente para a ocasião — afirmei, enquanto o Rei chegara com seus homens atrás dele, e dois deles carregavam sua ex-mulher.
  — Seus serviços foram muito bem prestados, detetive Van Geboorte — concretou o Rei Guilherme III. — Sou muito grato pelos seus serviços, mas daqui pra frente, eu mesmo gostaria de assumir o destino destes.
  — Com todo o prazer, Majestade — abri alas ao Rei para ver o criminoso caído.
  — Senhor, gostaria de convidar você e seu amigo da polícia para fazerem uma bela visita, em uma melhor ocasião, ao Palácio Real. Para tomarmos chá e assim, lançar uma luz nesta situação oculta. Os espero amanhã de manhã.
   Me senti importante ao convite do Rei, de fato era. Eu solucionei um crime que envolvia o roubo de sua honorável coroa, era o mínimo que poderia fazer. Agora, seria conhecido não só na Holanda, mas e todo o mundo, de acordo com a proporções que este caso tomara.
    Depois desta captura dos criminosos, Van Persen me convida para nos distrairmos com uma bela cerveja. Mas recusei, afirmando que tinha de descansar e relaxar a mente, me afogando num bom livro de literatura italiana e minhas boas cargas de meu cachimbo. E assim fiz, chegando em minha residência, o que fiz foi ler, e ler, e ler. Até que me enjoei e me deitei era tarde, três da madrugada, ansioso para lidar com a verdadeira personalidade que era o do governante do território o qual eu habitava.
    Finalmente a manhã chegou. Depois de me aprontar, quase saindo de casa, ouço a delicada campainha tocando. Era o Oficial Fritz Van Persen.
  — Vamos juntos para o Palácio, detetive. Também não contive a ansiedade.
    No caminho, não conversamos sobre nada, mas sobre termos técnicos da polícia para casos e criminosos. O que foi divertido de aprender, até que chegamos no destino. O Rei nos esperava pessoalmente na porta principal de sua habitação, e tudo lá dentro estava tão perfeito como se nunca tivesse tido um atentado como houve no dia anterior.
  — Por favor, senhores. Meu criado os acompanhará até nossa sala de chá — descreveu o Rei.
    Em instantes de uma boa caminhada naquele espaço enorme, chegamos a um cômodo confortável, decorado apenas com branco, o que destacava nossas xícaras e pires cinza, com desenhos barrocos. O criado puxou-nos a cadeira para que nos sentemos numa mesa redonda, coberta pelo pano grande branco, rendado em dourado. Nos sentamos, e logo após, vislumbrava-se a silhueta bem-vestida do monarca, Guilherme III. Sentou-se sem dizer uma palavra e depois de um longo gole em seu chá, soltou:
  — Espero que tenha o conhecimento de minha gratidão para com os senhores. A recuperação de minha coroa não foi, evidentemente, fácil, e exigiu muito esforço do intelecto de meu colega Dominic Van Geboorte. Por isso, quero saber em detalhes o rumo de suas análises para chegar nestes resultados impressionantes, se quiser.
  — Bem, Majestade, é de primeira mão que revelo tal coisa. Nem para meu parceiro mais próximo, oficial Fritz Van Persen, revelei estes detalhes. São coisas realmente muito vagas e que, na maioria das vezes, só fizeram sentido para meu cérebro. Para início dos fatos, quero estabelecer que sua ex-mulher, que deve estar agora presa, já tinha agido com o português Vasco de Montra antes. Um senhor de uma venda daqui de perto, me descreveu que ela e o elemento perguntaram algo relacionado a horários do Palácio, e se o Rei estava. O que achei estranho e diferente pois, se Sofia estava com ele este tempo todo, deveria saber pois habitava esta residência. Mas logo me toquei que este movimento era para distração, se alguém quisesse ouvir o dono da venda, que ele dissesse algo para tirar a verdadeira ladra logo de questão. Progredindo, sei que o roubo da coroa por parte dela, deve-se ao fato de que não suportava a diferença e discordância com o senhor, e este relacionamento a pressionava. Então, como já tem os filhos criados e um amante arranjado, gostaria de forjar uma moradia tão confortável e elegante quanto essa que habitava aqui na Holanda. Por isso, roubou a coroa de modo que pudesse lucrar com suas pedras e ouros em Portugal. E se a perguntar o motivo, ela dirá isto. Agora, o ato, como foi feito e planejado o roubo. Os donos de vendas e tendas do mercado de rua que envolve o Palácio, relataram que estava cheia a multidão, mais do que qualquer outro dia. E logo depois ouviram um estrondo do quebrar de um vidro. Foi aí que liguei os pontos óbvios: espelhos foram postos de modo que refletiam a mesma multidão para quem olhava de longe, ou seja, não estava tão cheia como pensavam que estava. Nisso, os dois criminosos entraram, pelas brechas deixadas nos espelhos, para o Palácio, assim ninguém os notaram. Já penetrados no território, o único fator que os atrapalharam foi os guardas. A posição dos guardas, Majestade, se não estou enganado, formava um triângulo retângulo, aí que entrega o professor. Vasco, como o descrevi ontem, mentiu para mim uma vez, afirmando ser porteiro. Logo, descobri por suas características que era professor universitário de matemática, o que me rodeou uma pergunta: "por que ele gostaria de esconder que é professor universitário?". Mas a resposta, na verdade, é bem simples, ninguém sentiria falta de um porteiro, mas sim de um professor faltante. Mas minhas suspeitas envolta dele eram poucas e injustificadas: não era porque Vasco de Montra era mentiroso, que eu o apontaria como suspeito, mas o fato de saber fazer a operação do Teorema de Pitágoras — cálculo feitos a partir de triângulos retângulos —, consequência de seus estudos matemáticos. Assim, saberia exatamente o tempo de movimento de cada um dos soldados em relação a sua formação. Informou sua amante, que, pelo o que notei em seu quarto quando o analisei, é lutadora de artes marciais e, além disso, conhece seus empregados. Dessa forma, os três soldados foram os menores dos problemas. Mas durante a luta, um golpe atingiu e quebrou um dos espelhos postos, o que alarmou os guardas internos. Consequentemente, os mal-feitores tiveram que se esconder, e escolheram pilares perto da porta para isso. Depois que os outros soldados foram socorrer os outros, eles penetraram o Palácio e trancaram as portas, assim os outros não entrariam. Usaram uma situação desgraçada para seu próprio benefício.
    "Ainda lá dentro, os dois se dividiram e  cada um apanhou um punhado do pó pálido que desmaia seres vivos, feitos pelo português, que soube disso através de estudos químicos, como li em sua ficha em momento oportuno na delegacia. No mesmo tempo, para que um grupo não pudesse socorrer o outro, lançaram o pó dentro das salas. Pelo exame analítico que fiz na sala onde repousava a coroa, Sofia própria a roubou, pela presença de dedos femininos, finos e delicados apoiados na almofada vermelha. Depois, sabendo que as autoridades judiciárias desconfiariam, os dois, como maneira de distrair o investigador, organizaram os corpos na porta do quarto que Vossa Majestade se encontrava. E para aumentar o nível de sua certeza para com a distração, apanharam uma espada da armadura da Idade Média mais próxima, que enfeita os corredores do Palácio, e furaram cada soldado em seu peito para depois o último, cortar-lhe a garganta para fingir que o senhor tivesse sido traído por um de seus empregados. Detalhe, o senhor não prestou atenção que seus homens não empunham espadas, apenas rifles? Isto foi importante para a organização dos fatos, sendo que uma armadura empunhava o ar pela falta de sua arma branca. Fui tolo de sempre procurar razões e feitos que exigem o máximo do meu intelecto, mas as pessoas nem sempre são tão aplicadas assim. Os par de pregos afundados na paredes, acima das janelas dos quartos vizinhos, são um bom exemplo. Pela investigação que fiz minuciosamente pelos quartos, notei pegadas de diferentes tamanhos (que puderam ser descobertas pois ambos pisaram no pó "desmaiador"); no quarto em que o senhor escrevera a carta anunciando o divórcio e a separação, havia as pegadas de Sofia, que pregara os objetos ela mesma, já na habitação vizinha, havia pegadas do português — que descobri pelo modelo de calçado específico de uma marca portuguesa — e de sua amante. Com isso, deduzi que o rumo traçado para a fuga, foi o seguinte: os dois furaram as paredes com dois pregos cada, para que pudessem pôr um trapo extenso que ia até o solo, que dava no jardim detrás. O pano longo se localizou no meio das janelas, por fim, pois juntaram dois pedaços deles, e os dois vinham dos lados até se compilarem como uma só rota de fuga. Então, como sabiam que Vossa Majestade se encontrava no ambiente vizinho, se dispuseram de saltar juntos; Sofia agarrada em Vasco, e este segurava os trapos firmemente. Saltaram da janela esquerda, mas o plano de descer reto, no meio das janelas falhou. Obviamente por conta da gravidade e da força que o criminoso impôs ao saltar de lá de cima, o que os fez serem jogados pro lado direito do prédio, o que explica o afundamento atípico no gramado embaixo da janela do quarto que o senhor estava dissertando sua escrita. Deveria ter conhecimento mais aprofundado de seu terreno, Majestade, pois aquela parte do solo é oca, o encanamento é apenas coberto por finas madeiras e seguidas de grama. E assim, fugiram pelos fundos em posse da coroa.
    "Para descobrir para onde iriam, foi fácil e não me custou muito tempo, apenas uma corrida exaustiva até um pôster informativo do itinerário dos trens imigratórios. Se fugiram, não seria para um país que não pudessem se comunicar, então, ao menos um deles tinha de ser bilíngue. Mas isto não seria necessário se o amante de Sofia fosse português, logo fugiriam para Portugal. Desta forma completei meu raciocínio."
  — O seu talento é admirável, senhor Van Geboorte — orou o Rei Guilherme III, dando um pequeno gole em seu chá. — Por isso, quero fazer uma cerimônia pública, para todos os cidadãos holandeses poderem apreciar o ganho de medalhas que prestigiarei para os senhores. Esta ocorrerá daqui exatas duas semanas, no coração de Amsterdã. Reconheçam, senhores, que o prestígio pelo qual passei a ter por vocês é de grande valor, e espero que possamos manter uma relação próxima para discutirmos termos legislativos, como representantes diretos de população holandesa.
  — Nós quem temos de agradecer-lhe, Vossa Majestade, pela oportunidade de lidar com um caso de tamanha proporção — agradeceu o oficial, com o orgulho e patriotismo ressaltados.
    Depois disso, começamos uma discussão agradável sobre leis e possíveis soluções para problemas na legislação de nosso país. Ao longo da conversa, o monarca se mostrou aberto e brincalhão, revelando a sua, anteriormente mencionada, paixão pelo exército e armada. Podia-se ver a rodela branca do fundo da xícara, estávamos satisfeitos com o chá e pelo trabalho que eu e o oficial exercemos — o deixei ter o mínimo de crédito possível, já que a única coisa que realizou foi acompanhar-me na hora exata da perseguição. Com o fim da nossa cerimônia do chá, o Rei se fez cavalheiro e nos acompanhou até a saída principal do Palácio Real, e por fim, me informou:
  — Sempre soube que minha ex-mulher possuía um apreço muito grande pela cultura portuguesa, mas não desconfiei que pudesse me trair de todas maneiras possíveis para viver seu sonho em Portugal.
  — É uma pena que esteja passando por isso, Majestade. Mas é mais apropriado os dois libertos de tantas diferenças. Foi um prazer passar esta agradável tarde com o senhor, até a próxima — me despedi tirando-lhe o chapéu, enquanto um mordomo nos acompanhava e Van Persen se despedia cordialmente do Rei.
  — Estou muito orgulhoso de nós mesmos, nunca pensei que seríamos tão importantes a ponto do Rei Guilherme III desejar nossa futura presença, e manter um laço considerável conosco — disse empolgado o oficial que se sentia o dono do planeta Terra.
  — Não vá esperar grandes holofotes perante nós, meu colega — alertei, sendo antipático. — O Rei apenas se projetou desta maneira pois o ajudamos recuperar aquele artefato que aprisiona uma fortuna em si.
  — Oh! Aí está meu cupê! — exclamou o oficial, não parecendo abalado com minha resposta seca — Não deseja uma carona, meu caro amigo?
  — Não, espero outro carro. Vá repousar.
    Assim que Fritz fora despachado, eu me dei o luxo de fumar uma bela rajada de cachimbo fitando um dos canais. Honestamente, era uma das várias belezas daquele meu país, e que me orgulho dele. O frio se aproximava e assim me expulsara daqueles minutos filosóficos perante as águas que banham o concreto apressado da cidade. Caminhei, entre as ruas vazias e as pedaladas que davam os corajosos no frio. Os prédios tortos, formando uma formação irregular da linha deles, e assim chamei o primeiro cabriolé que vislumbrei.
    Nas duas semanas decorrentes antes da cerimônia pública, não houve casos criminalísticos em Amsterdã ou em qualquer outra parte da Holanda. O país se mobilizou perante as manchetes de roubo e prisão de Sofia, como se ela tivesse morrido e os cidadãos se encontravam em silêncio e luto profundo. Até mesmo os mal-feitores se pararam. Todos os dias que ia para a delegacia para consultar se havia algum caso, apenas terminava jogando xadrez com Van Persen, ou tomando chá com alguns administradores, pela falta de casos. Até que o grande dia da cerimônia chegou, batendo na minha porta como um furacão de emoções indelicado.
    Quando cheguei no local marcado pelo Rei, a praça estava maciça de tantas pessoas que não possível enxergar o chão. Subi no altar e lá estava o oficial, em seu melhor traje á rigor, neste, pendia seu distintivo, e também o Rei, bem-vestido como de costume.
  — Estes, meus cidadãos, foram os homens que solucionaram todo este caso e que fizeram possível a recuperação meu bem mais precioso, que me designa um digno rei! — exclamou o monarca para toda a multidão agitada — Então, como prova de minha gratidão, os reconhecerei como civis de alta dignidade e honestidade, os prestigiando com estas medalhas douradas.
    Eu e Fritz fitávamos a multidão calorosa, ele com um sorriso, eu estava sério. Houve uma pausa das falas de efeito do Rei, para que este tirasse de uma maleta de couro com o interior avermelhado de veludo, as nossas medalhas — que se encaixavam no tecido como um molde projetado. O Rei, então, caminhou no altar, e pôs o medalhão na envoltura do pescoço do oficial e balbuciou algumas palavras de honra, as quais fui ensurdecido pelo nervosismo. Por fim, chegou a minha fez, e fazendo como meu abaixasse para que fosse possível a ação, ele me dirigiu umas palavras de gratidão e honra, e me atrevi:
  — Vossa Majestade, se me permite, devo perguntar como acabaram os criminosos?
  — Você não deveria se dar o trabalho da preocupação, mas já que tem o interesse: Sofia teve o rumo da prisão perpétua, quem deixei os juízes julgarem por crime a autoridade máxima da nação. O português mentiroso, Vasco de Montra, foi condenado á pena de morte.
  — Pena de morte? — exclamei, tentando manter o tom de voz baixo — Mas isto não é abolido aqui na Holanda?
  — Sim. Mas como autoridade máxima, eu mesmo quis tratar do negócio dele. E também, ele nunca foi um cidadão holandês, sempre foi ilegal. Portanto, pertence a Portugal, onde a pena de morte é exercida, então o tratei como cidadão digno português.
  — Certamente — silabei, com um pouco medo nas palavras anteriormente ditas do Rei.
    Quando tudo estava acabado, as medalhas recebidas e estávamos de pé para a multidão, deixei o nervosismo de lado, pois em nada me ajudaria. Então, decidi curtir o momento, apreciar os sentimentos vitoriosos que invadiam meu peito naquela sucessão de acontecimentos históricos. E como isto mudaria minha vida daqui para frente, estaria estampado nas manchetes de jornais famosos e reconhecidos mundialmente: "O detetive que solucionou o caso da coroa holandesa". Eu seria um fenômeno,e a carga de responsabilidade em cima de minha pessoa seria enorme, tinha de estar preparado para estas proporções; E concluindo me toquei, o quão gratificante é o retorno de meu trabalho bem exercido. E que me orgulho dele e de meu patriotismo que sempre fiz questão de possuir.

  

    
    
    

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Contos: ROUBO À COROA HOLANDESA (parte 1)

    Passaram-se dois meses desde o caso do crime disfarçado de Moortje. O que implica na minha  disponibilidade para casos criminalísticos, não tenho ninguém para me dar o prazer da visita, trazendo um caso novo e interessante. Por isso, tenho que ir á delegacia e selecionar casos que merecem ser pegos e julgados a minhas análises. Consigo resolver todos os casos fúteis com quais me deparo no mesmo instante em que os vislumbro, não há casos interessantes que testam as minhas capacidades como antes. Oficial Fritz Van Persen, o único conhecido com quem converso, está cogitando mudar-se para Londres, não seria abatido nem ficaria deprimido, apenas me posiciono no fato de que ele é o único com quem troco informações sobre crimes.
    Em uma de minhas visitas monótonas, que esperava não ver nada de útil novamente na delegacia, todos comentavam sobre o assalto á coroa holandesa, que, de fato, foi roubada. Estranhei o conteúdo do feito, já que a o castelo do Rei é bem protegido, tanto interna, como externamente. Como não tinha lido o jornal daquela manhã, não tomei conhecimento dos fatos detalhados que descreviam os desesperados jornalistas e colunistas. Descreveram tudo brevemente, os fatos crus da manhã ainda não era tão concretos e, de certa forma, estavam sujeitos a sofrerem mudanças de acordo com o passar do dia:

    Por volta das 7h30 da manhã, as ruas próximas ao Palácio Real já estavam em fervor, com comerciantes de rua já armando suas tendas comerciais, foi ouvido um estrondo que assemelhou-se a um estouro de vidro, mas não houve posteriores alaridos. Nisso, roubava-se a cora holandesa de seu devido posto, na sala de estar do castelo. Ainda não há indícios nem pistas indicando supostos criminosos, nem como os soldados reais foram abatidos, os que zelavam a portaria principal, e a copa, onde os soldados internos reuniam-se. De acordo com o Rei Guilherme III, seus soldados foram encontrados mortos na porta de seu quarto, espalhados, um deles estava obviamente morto, com os pulsos cortados e possuía mais manchas de sangue do que os outros. O Rei supôs que ele liquidara seus aliados para depois matar-se. O resultado, ainda é um mistério.
 
    Nem cheguei a me encontrar com Van Persen na delegacia, eu queria este caso. É, sem dúvida, um dos mais intrigantes que já resolvi. Dei sinal para o primeiro cabriolé que avistara e informei ao cocheiro: "Leve-me ao local do crime á coroa holandesa!". Atendendo, fomos rapidamente por ruas esburacadas, eu presumo que ele tenha entendido a gravidade de minha intonação na voz, e foi depressa.
    Lá, mesmo com o feito, as ruas na proximidades da moradia real estavam funcionando com seu comércio normalmente. Esperava ver horror estampado na face dos comerciantes, que mal poderiam vender de tão impressionado que ficaram, mas não. Havia um senhor, dono de uma tenda de frutas cítricas, que lia no jornal a respeito do atentado. Usava uma boina listrada cor de mel, uma camisa rosa clara e uma calça negra presa num suspensório roxo. Seu bigode mostrava-me que era um homem convicto e certo de suas atitudes. As marcas de lama até a superioridade de seu sapato, indicavam que era de um lugar afastado, onde há muita lama acumulada, vinha das fazendas. Além da aparente profissão de agricultor de frutas, cultivava também rosas que deduzia-se através dos furos provocados pelos espinhos do caule que a flor possuía. Sempre trabalhou neste ramo, pois seus olhos verdes azulados cansados, e suas mãos calejadas profundamente, indicavam e comprovavam os sintomas.
  — Seu histórico com plantio nas fazendas é admirável. Costuma vender as rosas que planta? — perguntei, vendo um de seus jornais espalhados por sua bancada que havia na tenda.
  — Como sabe que planto rosas além de frutas, além de tudo, nas fazendas? — questionou, abismado porém sem abandonar a postura cordial.
  — Meu caro senhor, qualquer mágico que se preze não revela seus truques. Senão, eu não teria essência alguma em minha profissão incomum — retruquei, fechando um caderno de notícias e estampando um sorriso falso dentre as orelhas. — Não vim aqui adivinhar decorrentes profissões de pessoas, sr. Hendrik. Gostaria de lhe fazer algumas perguntas referentes ao caso do roubo que houve hoje mais cedo. Sei que esteve aqui.
  — Como sabe meu nome?! — arregalou os olhos o agricultor.
  — Ora, este foi bem fácil. Está escrito na toalha de sua bancada.
  — Oh, claro — envergonhou-se o pequeno homem. — Mas como pode confirmar o fato de que estive aqui? Teve um espião?
  — O sereno ainda úmido sobre sua bancada, senhor. Ainda é 8h33, claro que esteve aqui uma hora atrás, quando realmente realizou-se o atentado. Não deu tempo o suficiente para que a bancada tenha secado. Agora, se não for muito incômodo para o senhor, nem atrapalhar suas vendas, gostaria de fazer-lhe perguntas — afirmei, esgotando-me a paciência, mas ainda mantendo a educação —.
  — Sim, certamente.
  — Olhando ao redor, podemos afirmar que tem uma visão privilegiada da moradia real daqui, sr. Hendrik. Baseado nisso, pode me narrar os acontecimentos reais, vistos de seus olhos? Se possível, me narre tudo o que presenciou desde que chegou aqui.
  — Talvez não seja uma descrição bastante precisa, senhor, pois estava comendo algo de costas para o palácio na hora que a multidão enfureceu-se, mas lhe contarei mesmo assim: acabara de chegar aqui eram 5h50, meu ponto de venda é preciso, não saio daqui por nada. Como minha tenda é extensa como observa, senhor, eu não fico carregando-a desmontada daqui á fazenda todos os dias; a deixo na casa de um imigrante britânico, amigo meu, Harold. Mora a um quarteirão daqui. Deixei minha mochila de costas no local onde eu costumo ficar, então, como sei que é uma área segura pelos soldados reais, fui buscar a tenda sem maiores preocupações. Estava prestes a partir para buscá-la, quando duas pessoas me surpreenderam: um jovem alto, magro e robusto, queixo largo e rosto quadrado e cabelos negros, obviamente era um imigrante; já a garota, possuía olhos cansados e cabelos soltos e encaracolados nas laterais de sua cabeça. Ele usava uma roupa simples; sobretudo marrom escuro, chapéu coco preto e defendia-se com um bigode de barbicha (não pude ver a cor de sua camisa pois os botões de seu sobretudo estavam selados), ela, uma roupa casual da moda esportística masculina, calças pretas, camisetas justas pretas, presas por um colete cinza escuro e luvas também pretas. Por Deus, meu senhor, se eu tivesse a encontrado em outra ocasião diria que era um bandido treinado. Me perguntaram se quantos guardas guardavam o castelo e se eu tinha aprofundamento em quesito conhecimento da moradia real, achei bem suspeito, mas logo foram embora com minha resposta negativa.
   "Logo após este período, por volta das 6h30, terminei de montar a tenda e de abastecê-la com meus produtos. Apanhei meus jornais da mochila e comecei a ler para esperar os clientes chegarem. Por volta de dez minutos depois, via-me adentrado numa espécie de formigueiro humano, as ruas comerciais estavam enfestadas de clientes. Deixei de lado meu jornal, e comecei as vendas que vieram bem e estão bem até agora. Depois de fazer uma boa maquia, fiz uma pausa quando era, estimo 7h15 para alimentar-me, foi então que parei no contra-fluxo da multidão para apreciá-la. Assim, quase engasguei com a fruta que estava comendo devido ao estouro que aparentava vidro quebrado,  todos na envoltura da moradia real olharam para a possível origem do som, como não encontraram nada, prosseguiram suas compras e nós, vendedores, nossas vendas."
  — Entendo, obrigado, Hendrik, Hendrik Antoon. Suas palavras foram de extrema importância para a resolução de um caso que, logo, se tornará notícia mundial. Caso tiver posteriores declarações, meu nome é Dominic Van Geboorte e aqui está meu endereço caso queira telegrafar-me — agradeci, com um cumprimento de chapéu, deixei o espaço e comecei a analisar minuciosamente os verdadeiros arredores do castelo —.
    Ao andar por aquelas bandas onde o crime havia sido cometido, encontrei Fritz, quem menos esperava encontrar tão cedo lá:
  — Dominic! — exclamou o oficial, fazendo-me cumprimentá-lo — Não esperava vê-lo aqui! Pegou o caso e nem me avisou.
  — É, eu também não esperava vê-lo, oficial. Acontece que eu quis apurar o caso com mais liberdade do que ficar esperando a polícia de Amsterdã. Antes que me pergunte, nesse ínterim foi me descrito os fatos por um senhor benevolente que, pelo que me disse, possui uma tenda de renda suntuosa. Agora, se me permite, tenho teorias para criar sobre este caso admirável.
    Já em casa, considerei o barulho de vidro quebrando com os fatos. Não consegui chegar a nada, tudo ainda era obscuro para mim. Pelos jornais, não havia relato de que mais de um vidro fora encontrado, ou que mais de outros espelhos estavam presentes, apenas cascalhos do que fora quebrado. Mas eu tinha uma coisa pista mais valiosa do que a descrição do comerciante para mim: um cartão de universidade. Era originada da faculdade de Amsterdã e estava descuidadamente riscada, o que me indiciou a uma pessoa apressada, desastrada e que, pela turbulência constante de ideias na mente, havia de fazer coisas rapidamente. O objeto era desprovido de identidades, por mais que era certamente um integrante autorizado daquele centro. Contudo, não indicava se era aluno, professor, ou nem sequer tinha uma foto. Bem, mesmo assim, eu não podia incluí-lo na minha lista negra de possíveis criminosos. Era apenas um estudioso. Foi quando tive uma ideia esplendidamente genial que não exigiu muito de  minhas capacidades.
    Avisei aos jornais locais que havia achado uma carteira de universidade nas proximidades do Palácio Real, e que seu dono deveria aparecer durante o período de 24h, ou seria apresentado á polícia para aproveitamentos deles. Com isso, logo saíram nas manchetes esse achado e dentro de quatro horas, havia um homem que se encaixava estreitamente nas descrições que o sr. Hendrik Antoon me dera: um jovem alto, magro e robusto, queixo largo e rosto quadrado e cabelos negros. Me apresentava características italianas ou até mesmo do continente africano, se sua cor de pele não fosse pálida:
  — Vim recuperar um documento que perdi, senhor. Vi seu anúncio sobre o achado nas proximidades do Palácio — iniciou o homem, direto ao ponto.
  — Senhor, nem se dignou desejar-me bom dia — enrolei, testando sua paciência para o assunto.
  — Perdoe-me, senhor. Sou um porteiro da universidade, Claus Constantino, um bom dia. Gostaria de reaver meus documentos e já irei o deixar na mais plena paz.
  — Pra quê a pressa, meu caro Constantino? Por que não estra e se ocupa de uma quente xícara de chá? Reaverá seus documentos se aceitar minha humilde proposta — insisti, querendo testar o jovem. Parecia-nos muito suspeito, para mim e para o comerciante. Mantinha uma postura desconfiada, revirava os olhos e movimentava as mãos de modo constante, assim como batia os pés expressando nervosismo.
  O jovem entrou. Mal pude ter a honra de reparar em suas vestimentas que, para a ocasião, estavam cordiais. Permiti que se apoderasse de minha única poltrona que havia na sala, enquanto fui buscar os documentos. Nisso, pude ouvir o bater dos pés ansiosos de meu hóspede na sala, o bater de seus dedos que formavam uma sintonia repetida. Fiz questão de demorar para dirigir-me à sala, acendi um cachimbo e fingi procurar o arquivo. Finalmente me dirigi á sala, e lá estava ele.
  — Aqui está seu documento, meu senhor — balbuciei, pondo-o na pequena mesa da sala, onde poderia vigiar se ele fizesse uma tentativa brusca de retomá-lo. — Mas antes, enquanto ponho nosso chá para ferver, ficaria fascinado com sua companhia até a cozinha, para termos uma discussão amigável.
    Obriguei o homem a ir na frente, para que tivesse certeza que não roubaria o documento no momento errado. Arrumava as panelas e enchia de água o recipiente para a fervura de nossa bebida, o silêncio radical que meu conhecido exilava não coincidia com minha mente barulhenta. A harmonia era desfeita a cada suspiro dele, que sabia que não estava aproveitando o momento ali:
  — Vejo que o senhor anda trabalhando muito — finalmente afirmou o jovem, quebrando a monotonia da cozinha.
  — De fato, sr. Constantino, sou um detetive. Dizem que sou um dos mais apurados de toda Amsterdã — afirmei, me exibindo, Nisso, contive o riso com a brusca mudança de expressão negativa em seu rosto, que sofria um golpe a cada palavra á respeito de minha carreira.
  — Não esperava ficar por muito tempo, meu senhor. Tenho uma portaria a zelar.
  — Eu me encarrego das possíveis consequências da sua ausência, meu caro. Apenas saboreie o chá europeu que nos preparei — disse, aproximando-lhe a xícara apoiada no pires branco, com detalhes Renascentistas azuis.
    Me dirigi para a sala, de modo que meu objetivo era que ele me seguisse. Como seu anfitrião, tive de lhe ceder conforto, novamente ofereço-lhe a poltrona que, logo após, aconchega o jovem. Em pé, pude observá-lo, finalmente, com olhos dedutivos. Usava uma jaqueta de couro marrom clara, remendada nos ombros e mangas, que passava da cintura, um sapato da mesma cor, ralados na ponta — o que concretizava o descuido que eu tinha elaborado em teoria —, suspensório preto que por trás estava uma camisa branca. Na cabeça, pendia-se uma boina marrom clara, combinando com toda a sua vestimenta.
  — Então, senhor Constantino — comecei, puxando assunto. Minha meta é que ele olhasse para cima, para que eu comprovasse uma especulação —, como é ter de trabalhar como porteiro na universidade mais famosa do país? Há muitos alunos que não se portam como deveriam?
    Meu hóspede abaixava e evitava contato visual com frequência. Abaixava a cabeça para fingir assoprar a fim de esfriar o chá excepcionalmente quente, o chapéu escondia sua expressão facial.
    Minha pergunta o obrigou a levantar a cabeça, sem vontade:
  — É, digo, é bom. Os alunos são dedicados e aplicados, não que eu participe da rotina deles em sala de aula, mas é que me relatam com uma eficiência e minuciosidade admirável. Sempre faço amizades inspiradoras, senhor, tinha de ver — disse, gaguejando em algumas partes. Me assustei com a quantidade de informações que ele me proporcionara em uma sentença admiravelmente grande. adicionando até o que não me interessava: a amizade dele com os alunos. Mas foi de grande ajuda para outra grande descoberta.
  — Admiro que o senhor seja um porteiro tão respeitável, senhor Constantino — admirei, baforando o cachimbo no ar da sala. Meu olhar foi de amigável á desconfiado, creio que o resto de minha expressão também se transformara.
  — Sim, sou sim... — afirmou, abaixando a cabeça para tomar o chá, ao invés de levantar a xícara até a boca. Notei que sua testa estava consideravelmente suada, e que coçara seu nariz mais de uma vez nesse ínterim, o que me indicava que alguma parcela do que me dissera, era mentira. Quando algum indivíduo mente, isso trás a adrenalina á tona, o que provoca coceira de nariz. Bem comum para meus métodos.
  — Tenho certeza que é, professor Vasco de Montra — disse veemente —.
    Nunca vi a expressão de um ser humano tão horrorizado, parecia que tinha visto um fantasma no momento em questão:
  — Deveria ter mais cuidado com seus hábitos mentirosos. Antes que me questione, coçar o nariz e deixar seu nome bordado no fundo da aba de sua boina, são coisas bem sugestivas. Suas vestimentas simples, dignas de um professor, também recaíram nessa minha dúvida. As suspeitas recaíram excepcionalmente sobre você, professor. Uma vez que mentira para o detetive mais capacitado da Holanda toda, e que, evidentemente, esse documento foi perdido no dia do desaparecimento da coroa, considerando que não estava empoeirado ou atingido pelo sereno na hora que o encontrei no dia. Então, senhor Montra, se não quiser ser recolhido á prisão, simplesmente não minta mais para autoridades. Acredito que tenha conhecimento da tolerância para estrangeiros mentirosos da polícia, assim, eles adorariam prender um português, como vejo neste passaporte presente em seu bolso direito. Mesmo com a falta de provas, podeira convencê-los usando meu bom argumento.
    Depois dessa chuva torrencial de verdades e descrições, sua cor ficou mais pálida ainda. Ele me implorou o documento, pois senão não poderia entrar na universidade para dar aula; o entreguei, por dó. Tinha todas notas possíveis sobre este português levado. Poderia ter sido um simples acaso, quantas pessoas poderiam ter perdido seus documentos no dia, na correria do estalido agudo dos vidros. Ele não esboçou culpa, mas certamente ficou amedrontado. O homem saiu com o passo apertado no mesmo instante que lhe entreguei o cartão. O ouvi assoviar para um cabriolé, e o fiquei acompanhando da janela até o carro se distanciar.
  — Que sujeito curioso — disse para mim mesmo, enquanto me apoderava de minha poltrona novamente.
    Pensei comigo mesmo que, eu havia achado um suspeito e, aparentemente desvendei-o: era apenas um professor de Ensino Superior, mas o velho comerciante citara dois indivíduos. A outra descreveu como uma estética de olhos cansados, com cabelos soltos e encaracolados no momento, mas não citara se também o parecia imigrante. Mas se estava com este português, deveria ser quase inocente também. Considerei os fatos, qualquer um poderia ter roubado a coroa do Palácio Real. Alguém que queira fortuna, que nunca teve este poder aquisitivo. Que poderia mudar de seu território nativo para tentar uma nova vida, em um novo lugar: o que descreve os motivos imigratórios. Porém, Portugal é um país bem estabelecido, não haveria tantos motivos para imigrar para um país praticamente vizinho como a Holanda, que fala um idioma completamente distinto do habitual deles. Já a garota, poderia ter vindo de qualquer região asiática, se considerarmos os olhos cansados como se o comerciante quisesse dizer como se estivessem puxados. mas se considerarmos Japão, ambos os elementos não teriam motivos gritantes para a imigração, pois estes países têm o índice alto em questões de desenvolvimento humano. Mas os habitantes japoneses não possuíam cabelos encaracolados, realmente uma questão confusa.
    Me vi como um idiota, estava acusando pessoas e nem sequer visitei o local do crime. Assim, telegrafei para a coroa holandesa, informando a importância do caso em questão. Em fração de algumas horas, fui respondido positivamente. Aprontei-me da forma mais cordial possível: pus meu colete verde escuro que vinha até a parte detrás de meus joelhos, e uma camisa envolta de uma gravata preta por baixo, apoderando-me de minhas calças mel claras. Cerreis os botões dourados de meu colete, e estava pronto. Apanhei o meu melhor chapéu coco preto e saí. Saltei dentro de um cabriolé e, para sustentar meus vícios mundanos, abasteci meu cachimbo e fumei-o até chegar ao meu destino.
    Lá, assim que saltei do carro, um cavalheiro cordialmente vestido me acolhera, dizendo-me para segui-lo. Enquanto andava em minha frente, reparei que só poderia ser o garçom real, em suas mangas que tentava transparecer limpas, havia algumas sujeiras de comida, certamente. Sua vestimenta preta e seu cabelo quase totalmente calvo, indicava que o mesmo tentava exalar que era dedicado á Sua Alteza. Passamos pela entrada principal do Palácio onde tudo deveria ter ocorrido pois, pequenos cacos de vidro do espelho eram perceptíveis á luz, e cintilavam enquanto passava-se por eles. Fui conduzido, então, á um salão charmoso, onde havia bancadas e mesas cobertas por panos vermelhos, rendados de um tecido dourado. Algumas paredes cobertas por este mesmo tipo de tecido e, então, a bancada que havia uma almofada escarlate, rendada perfeitamente á mão, com tufos deste mesmo tecido pendentes na borda. Via-se uma certa profundidade no meio desta almofada tão sugestiva. Certamente, era onde a coroa deveria estar.
    O criado Real mandou-me esperar um instante enquanto o Rei dos Países Baixos — Guilherme III — vinha. Esperei por cerca de uns quinze minutos, fitando todas as pistas que poderia ter antes que o Rei me mandasse examinar. Portanto, via-se no chão e nas enrugas dos tapetes, pequenas manchas de sangue, que, obviamente, não eram causadas por golpes, e sim, pancadas involuntárias no chão. O que me levou a considerar o desmaio. Alguém desmaiou todos os homens que estavam presentes naquele salão, protegendo a coroa; o jornal matinal citou a possível morte de soldados internos. Levantei-me para obter uma análise mais concisa das hipóteses, andei por entre as cadeiras, na frente da porta e perto da almofada que aconchegava a coroa e descobri que havia um pó branco concentrado numa dobra do tapete, e algumas pitadas dessa mesma solução no artefato que confortava a coroa. De repente, tudo veio a tona. Antes que eu pudesse pular de alegria, o Rei entrou no salão e flagrou com um sorriso quilométrico:
  — Vossa Alteza, Guilherme III, desculpe a audácia que me permiti andar por esse cômodo. Gostaria de deixar todos os fatos o mais claro possível para o senhor — disse, num cumprimento envergando-me e retirando meu chapéu.
  — Ora, meu nobre cavalheiro. Sua presença neste recinto já me é reconfortante. Por favor, sente-se para que possamos apurar os fatos que desgraçaram minha manhã — soltou o Guilherme III, num ar de gratidão e medo ao mesmo tempo. Sua voz me era trêmula e insegura.
    O governante de meu país, nunca o vira pessoalmente. Nesta ocasião, vestia-se como um militar governante do exército. Sua vestimenta de um verde escuro, estava envolta de algumas rendas douradas e em seus ombros, pendia-se ombreiras douradas com rendas dependuradas. Cheguei a associá-las a escovas de cabelo, mas contive o humor. Bordava-se seus ganhos na parte superior esquerda de seu tronco. O que me indicava que não era novato na militância. As mangas de seu casaco eram bordadas com os mesmos estilos reais dourados. Na cintura, um cinto de ouro apertava-o em suas vestimentas. Este mesmo casaco encerrava-se um pouco antes do joelho, cobrindo a parte superior de suas calças com listas cor de ouro. Mesmo com sua barba cheia, punha em mais destaque em seu bigode volumoso e sua cabeleira negra, cheia.
    Sentamo-nos confortavelmente no estofado escarlate, confortável para ouvir todos os possíveis rumos que o Vossa Alteza poderia descrever. Tirei meu caderninho do bolso, uma brochura simples que acompanhava minha caneta tinteiro e neste mesmo momento, o Rei começou:
  — Oh, uma caneta-tinteiro! — exclamou num tom surpreso — Deve partir de uma família muito nobre, cavalheiro, para possuir uma caneta-tinteiro, algo que foi patenteado há apenas três anos.
  — Quem dera, meu Rei. Ganhei esta de um tio que imigrou para os Estados Unidos. Ele sim pertence á uma grande nobreza, mas o resto da família é desprovido de tal maquia. Detetive não é uma daquelas carreiras suntuosas que se possa orgulhar. A respeito da caneta, esta criatura inanimada possui uma história admirável: tudo iniciara com um incidente desagradável. O corretor de seguros norte-americano Luwis Edson Waterman perdeu um grande negócio porque borrara seu contrato ao fazer cair seu tinteiro no mesmo. Daí surgiu as primeiras ideias para este artefato.
  — Realmente, meu senhor — concordou, parecendo esquecer o caso que lhe ocorrera naquela mesma manhã.
  — Voltemos ao real motivo para que lhe devo esta presença, Vossa Alteza — afirmei retomando a seriedade. — Se importa de me narrar os fatos com a mais concisa precisão que puder? Se me faz o favor, narre um pouco antes dos acontecimentos.
  — Oh, sim — fez uma pequena pausa, depois começou. —Reconheça, meu senhor, o fato que vivo um casamento completamente infeliz. Casei-me com minha prima-irmã Sofia, filha do Rei Guilherme I de Wüttemberg e da grã-duquesa Catarina Pavlovna da Rússia, em Junho de 1939. O desenvolvimento real de nosso antagonismo deve-se ao fato de que Sofia é uma intelectual liberal, odeia tudo relacionado a ditadura e armada. Já eu, sou um simples conservador amante do exército. Outro ponto em que venhamos a discordar, senhor, é que eu abomino completamente as modificações feitas por meu pai e Johan Rudolf Thorbecke na constituição de 1849, pois quero governar como meu avô Guilherme I, e Sofia as enxerga como a primordial saída para a sobrevivência monarca nesses anos de mudança. Com isso, estabeleci uma regra que Sofia quebrara esta manhã: não discutiremos como deverei reinar. Com a quebra arrogante, tivemos uma discussão não muito amigável, porém nos violentamos verbalmente. Foi quando Sofia soltou que me estava traindo com um estrangeiro, e isso cortou meus pés diante de espinhos, senhor... Desculpe, não perguntei seu nome.
  — Dominic Van Geboorte, meu senhor.
  — Claro. Voltando, me senti perdido. Ela afirmou que fugiria com o mesmo se não fosse o segurar de nossos filhos Guilherme, Alexandre e Guilhermina. Mas não entendi seus argumentos, senhor, pois nossos filhos já atingiram a fase adulta e não há de a segurar num relacionamento.
    "Alguns instantes depois de um abusivo café matinal, ela sumiu. Por mais que tenhamos tido aquela briga, ela desaparecera e eu mandei meus soldados atrás dela. Entretanto, é claro que ela não gostaria de deixar sua escapada óbvia e nítida. Lembrei-me então, que ela uma vez dissera que, se nosso Palácio uma vez estivesse em chamas, ela fugiria pela grande janela de seu quarto. Foi então que tive a ideia de subir apressadamente em seu quarto, para que eu pudesse obter uma pista de seu paradeiro ou coisa do gênero. Lá em cima, já não tinha achado nada, nem sequer uma pegada, apenas um único afundamento no gramado do jardim detrás. Por Deus, meu senhor, cogitei que ela tivesse se jogado como tentativa de suicídio que não fora bem sucedida. Mas a janela mantém uma distância perigosamente alta do chão, o que debilitaria seu andar se tivesse sobrevivido.
   "Então, tranquei-me em seu quarto, enrolava em minha mente os porquês de minha mulher ter feito isso, estava claro que não mantínhamos uma relação saudável, mas fugir do Palácio Real, no coração de Amsterdã, é muita ousadia mesmo para ela. Joguei-me no seu colchão, e lamentei as vezes que fui duro com ela, senhor Van Geboorte, e levantando-me dessa ilusão de que deveria estar arrependido, fui procurar em suas coisas as possíveis cartas de amor e de comunicação com seu amante, mas não achei nada de muito sugestivo. Depois, decidi que escreveria uma carta para ela anunciando o divórcio. Estava assinando a carta, molhando uma última vez a pena no tinteiro, quando escuto um barulho de vidro se quebrando. Não fiquei muito alerta, senhor, admito, pois uma de nossas criadas é extremamente desastrada. Voltei-me a carta e a finalizei, envelopando-a e pondo-a em cima de sua escrivaninha feita de madeira escura, de maneira que ficasse bem visível para se caso voltasse destes seus repentes fugitivos. Como a maioria de meus soldados foram a procura de minha mulher, o castelo ficou pouco menos protegido, pois confio á linha de frente guerreiros responsáveis. Havia soldados protegendo a coroa no salão que estamos agora mesmo, senhor, e outros na sala ao lado. Logo após finalizar meu tempo reflexivo no quarto de Sofia, decidi sair e foi quando deparei na cena os jornais descrevem com tanto ênfase: todos os meus soldados estavam mortos na frente da porta, senhor, todos. Havia uma com a garganta cortada e com a espada desembainhada em mãos, dando a ilustre impressão que tinha se matado.
    "Deparado com essa cena, gritei para as criadas que estavam em seus quartos, tão alto, mas tão alto, que imagino se os comerciantes lá fora não ouviram. Todas vieram num desespero indescritível, me ajudando a retirar todos os corpos mortos e colocá-los no jardim. Meu desespero, num estalido mental, me conduziu á este cômodo que estamos, para checar se coroa ainda se encontrava em seu devido lugar, e também não estava. Assim, pude ver que o criminoso teve de agir lá também, liquidando os soldados deste e do cômodo vizinho. Foi assim, senhor, que meu pesadelo começou e se estende até agora, assim como Sofia ainda me preocupa levemente por ainda não ter voltado. Para ter todo este planejamento minucioso, só alguém que conhece o Palácio Real seria capaz de desenvolvê-lo, senhor Van Geboorte."
  — Que narrativa mais agradável, Vossa Alteza — me permiti dizer ao assassinar o silêncio de minha parte. — Acha que algum conhecido de Vossa família poderia ter exposto os senhores a este roubo?
  — Não temos inimigos, senhor. E as únicas visitas que recebemos, são nossas famílias.
  — Acha que uma de suas criadas poderia ter permitido o fácil acesso ao Palácio? Ou até mesmo sua esposa? — apelei, pois estava tendo minhas considerações em base de minhas anotações.
  — Ora, meu senhor! Isto é um insulto a mim e minha mulher! Sob que motivos e circunstâncias roubaria minha mulher a coroa? Não seria a questões de riqueza, pois sempre a obteve — exclamou num tom raivoso, franzindo a testa, o Rei —.
  — Há de considerar o impossível, meu Rei, ou morrerá afogado em suas obstinações — atrevi-me, levantando-me e guardando meus objetos de escrita. — Agora, se não se importa, eu analisarei o Palácio e vos darei maiores informações assim que possível, Majestade.

segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Maratona de Livros #7: Sherlock Holmes - O Sinal dos Quatro


    Escrever sobre o primeiro volume do conjunto que comprei, é muito amplo e vago. Pois nele contém vários contos e ás vezes romances que se prezem. Por isso, vou sempre escrever sobre os  romances de Doyle, que são obras normalmente maiores e mais ricas em detalhes. 
    A prosa descritiva do autor não deixa de maravilhar os olhos e a mente de quem lê, pois leva consigo uma maleta com o universo dedutivo de Sherlock Holmes. Neste romance, apresenta-se a moça Mary Morstan, que recebe uma pérola por ano por intermédio do correio, sem qualquer menção de seu remetente. Esta mesma mulher não tomou o conhecimento que estava uma herança que deveria ser dada a ela por direito. Ao mesmo tempo, um tesouro desaparece e a morte de um dos gêmeos Sholto intriga o alto poder analítico de Holmes, assim cogitando a presença de um homem de perna de pau. As habilidades dedutivas de Sherlock são postas em prova, uma vez que descobrira de onde o assassino realizou o crime, com que arma, e como conseguiu escalar tendo uma perna de pau suspensa em seu toco. Watson descreve as feições deste homem como "horrendas" e de pele parda.
    Arthur Conan Doyle impões valores humanos destes homens uma vez que, neste romance, Watson se casa com a senhorita Morstan. Declarando-se para ela no meio da investigação minuciosa, que fazia com seu melhor amigo Holmes.

terça-feira, 8 de novembro de 2016

Maratona de Livros #6: Sherlock Holmes - Um Estudo Em Vermelho

    Certamente, todos de vocês já ouviram falar do famoso detetive Sherlock Holmes, homem conhecido por habilidade de dedução e análise apurados, que vêm encantando o mundo da literatura policial desde 1887; quando seu autor Arthur Conan Doyle publica seu primeiro romance — Um Estudo Em Vermelho. "Todo mundo sabe quem foi o detetive Sherlock Holmes, pode enumerar boa parte de seus hábitos ou objetos preferidos e repetir algumas de suas frases célebres. Mas o fato é que esse notável cavalheiro britânico, 'jamais viveu e nunca morrerá'", descreve O Globo.
    Comprei o conjunto de livros da obra britânica há um mês e já engoli o primeiro livro massivo, de quinhentas e onze páginas. O primeiro livro é um a coletânea das várias viagens de Holmes dentre este mundo investigativo, junta: Um Estudo Em Vermelho (romance), Sinal dos Quatro (romance) e As Aventuras de Sherlock Holmes (contos). Todos esses livros são vendidos separadamente, mas pelo conjunto que comprei, vieram compilados em um só. Entretanto, são quatro volumes, cada um com dois ou três livros juntos. Ainda há vários contos vendidos separadamente destes, que são brochuras mais finas.
    Seu autor teve feito tentativas frustadas de publicar um livro, que cativasse as pessoas, sobre dedução. Até que, em 1887, publicou a primeira obra do detetive, que foi recebida com muito clamor e veemência. Holmes foi inspirado num colega de trabalho de Conan Doyle, quem deduzia coisas com muita facilidade e precisão, levando, assim, a que fosse rendido á tentação da escrita. Arthur era formado em medicina e exercia a profissão de médico até o estopim de sua obra, quando abandonou a medicina e foi dedicar-se exclusivamente á escrita.

Sherlock Holmes: volume 1- Um Estudo Em Vermelho:

    John Watson acaba de retornar de sua missão como médico no Afeganistão, procurando uma estadia fixa e rendável, é aconselhado por um amigo que conhecesse Sherlock Holmes, que também estava a procura de um imóvel, Marcaram de se encontrar, e lá estavam eles dividindo apartamento, quando Holmes esboça os primeiro sinais de suas excentricidades: introversão, sociopatia, individualismo. Porém, seu parceiro, Watson, não se desaponta, até que o detetive e ele começam suas expedições criminalísticas. O médico sempre acompanhava o cavalheiro alto, dono de uma magreza absurda e de métodos dedutivos impressionantes. Sherlock mostrou suas habilidades quando um caso de assassinato — que fizeram transparecer envenenamento — se pôs em seu caminho, impressionando Watson de maneira imensurável.
   Empermeado de possibilidades, Holmes afirmou que o assassinato deveria ter sido feito por alguém que sempre está na cidade, entre a multidão, mas ninguém o enxerga. O corpo, liquidado por um ótimo estrategista, não apresentava sinais de agressão ou violência. Assim, Sherlock deduziu que o homem foi envenenado por um cocheiro, por motivos de vingança. Com a prosa magnífica de Doyle, fora empregado elementos que desviassem nossa atenção, para deixar o brilhante detetive trabalhasse.
    Depois da prisão imediata de Jefferson Hope, assassino, foi narrada uma história do motivos do feito, mas nada que retirasse a culpa de cima dele. A bela descrição foi muito bem elaborada, Doyle deve ter trabalhado muito nisso, imaginando-a dos pés á cabeça, contando que Jefferson Hope habitava cidade afastada em Utah, que vivia um romance com uma jovem. A mesma e ele, tinham planejado de fugir, junto á seu pai, quando, depois da caça, já na fuga, voltara e não vira ninguém. Logo após, via sua amada casando-se forçadamente com seu inimigo, que possuía um cargo de alta importância no governo daquela província. Seu mais novo arque-inimigo, foge para a Europa quando considera matá-lo, Jefferson estava certo segui-los até o inferno se fosse preciso, para obter sua devida vingança. Contudo, não tinha dinheiro para ficar migrando assim tão radicalmente, quando finalmente conseguiu ir ao país que seus malfeitores estavam, os mesmos sempre imigravam novamente. E foi assim até que finalmente os pegou em Londres, usando métodos para distrair a atenção da polícia, escrevendo "Rache" com sangue no papel de parede do cômodo em que houve o assassinato. Ligando os pontos, Holmes conseguiu decifrá-lo e, finalmente, prendê-lo.
    É claro que a obra espetaculosa de Arthur Conan Doyle se estende e apura muito mais detalhes do que os que descrevi aqui, que são rasos. Se você quiser começar a ler, preciso te avisar algo: se incline para este livro somente se você quiser ficar extremamente viciado, devoto á ele, pois é altamente viciante.
   
     Evidentemente, a minha grande inspiração para escrever os contos de minha própria autoria aqui no blog, foi a obra britânica Sherlock Holmes. Que, rapidamente, conseguiu me fisgar para as entranhas de seu fascínio com muita facilidade. 

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Maratona de Livros #5: O Diário de Anne Frank

  Olá, leitores. Hoje irei fazer uma resenha do livro "O Diário de Anne Frank", que li há pouco tempo, pela biblioteca da escola. Primeiramente, gostaria de agradecer a meu colégio por ter esta obra tão importante para conhecimento histórico.
    Sempre quis ler a obra de Anne Frank, mas sempre procrastinei e partia para outros livros. No entanto, apareceu uma oportunidade: eu tinha de ler um livro para fazer dele um resumo para a aula de Língua Portuguesa. Sem querer, me deparei com uma dúvida inconcebível, escolher entre ler Sherlock Holmes ou Anne Frank — Ambas obras que sempre almejei ler. Escolhi, portanto, a escrita de Anne Frank pois não queria pegar um conto no meio da história, como chegaria em minhas mãos a obra de Doyle. O livro conta os anos vividos pela garota durante o holocausto, tendo passado alguns anos de paz na Holanda, uma vez que era de origem alemã. Quando a situação ficou mais prejudicial á família Frank, tiveram que se esconder para evitar a sofrida realidade que todos os judeus tinham: ir para o campo de concentração. Já no Anexo Secreto, que se encontrava no prédio do escritório do pai da garota, Anne dividiu a "casa" com mais sete pessoas, foi lá onde escreveu a maior parte de seu diário e descrevia os sonhos de uma garota no ápice da puberdade. Com a família que estava partilhando o espaço, estava presente Peter, um garoto que logo cederia pelos charmes da jovem e vice-versa. Peter era mais velho que ela e ambos os pais não aprovavam tanto essa união. 
    Contudo, Anne Frank também tinha coisas que adoraria fazer quando saísse do esconderijo: se tornar uma cidadã holandesa, ser jornalista e escritora. Pensando nisso, a garota já sabia que publicaria o diário para que o mundo testemunhasse seus anos oprimidos, então, separou o diário em partes a e b. Tinha somente seus escritos e livros para destruir o ócio, estudava francês, inglês, matemática e afins, por correspondência, o dia inteiro. Infelizmente, Anne não vivera o suficiente para publicar sua obra ela mesma: na manhã de 4 de agosto de 1944 — entre dez e dez e meia —, os oito integrantes do Anexo são descobertos e presos, junto á seus cúmplices Johannes Kleiman e Victor Kluger. Depois de Westerbork, foram transferidos á Auschwitz, na Polônia, onde todos morreram com alguma doença ou exaustão sofridas. Otto Frank (pai de Anne) é o único a sobreviver a guerra, e retorna á Amsterdã quando publica o diário de sua filha em 25 de Junho de 1947. 
    O livro é essencial para quem quer se aprofundar, em detalhes minuciosos, na vida durante a Segunda Guerra Mundial. O dilema lamentável em qual viviam os judeus, sempre sendo diferentes e destacados de maneira negativa dos outros. No decorrer do livro, é possível se identificar com Anne, dependendo de sua personalidade. Do mesmo modo, ela parece egoísta de certa maneira, mas sempre é possível enxergar que ela estava num ambiente que expelia estresse, e ela era a esponja. A prosa da jovem é notavelmente admirável, estilo literário essencial para compor uma obra de notável narrativa. Em resumo, o livro não é tão chamativo para pessoas que realmente não querem obter minúcias do holocausto, e que não têm paciência para desenvolver um hábito de leitura. 
    Anne Frank realmente me fez refletir o quão almejado a liberdade era para ela, coisa que temos de sobra e desperdiçamos sempre reclamando de fatores nem tão importantes assim para nossa vida. Anne foi uma garota judia que só queria que sua religião fosse igualitária com as outras, sem sofrer quaisquer tipos de discriminação sob sua crença. O que também nos revela o quão é primitivo a aceitação humana em relação áquilo que difere do ordinário. 
    

quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Contos: O CRIME DISFARÇADO

    Eram seis horas da manhã, quando fui surpreendido por batidas altas e repetidas na porta. Ignorei para ver se a pessoa desistia de seu objetivo e fosse embora. Mas o ser era insistente, levantei-me e andei até a porta, o que parecia ser quilômetros, de pijama. Lentamente apanhei a chave na pequena bancada que havia ao lado da porta e disse: "já vai". Destranquei e rapidamente Moortje invadira meu escritório sem mencionar uma letra do alfabeto; enquanto fechava a porta novamente, ela se sentava na única poltrona da sala, o primeiro cômodo da casa.  
    Moortje era uma funcionária do governo, vestia-se sensualmente e com o batom vermelho, tentava seduzir todos os homens que seu caminho invadissem. Era dona de um corpo alto, magro, e rosto fino, que destacava os ossos de suas bochechas. Seus cabelos castanho-escuros cobriam o seu olho direito, enquanto o esquerdo me fitava com sensualidade. Dobrou as pernas e descansou os braços nos dois lados da poltrona. Eu fiz meu caminho para a sala, apanhando o meu cachimbo e o fumo que estava numa estante de madeira escura no corredor, enquanto acendia, esperava a mulher discursar mais uma das suas tentativas de sedução:
     — Você me parece cansado, por quê não o descansa em um corpo feminino? — finalmente declarou Moortje me fitando dos pés a cabeça —.  
    — Essa é sua vigésima tentativa para me arrastar para o seu produto - disse, a desfocando com as baforadas no cachimbo —. Mas você sabe que é em vão, por mais que saiba que me relaciono somente com meu trabalho investigativo. Tenho de ser cuidadoso com minhas palavras, hipoteticamente, você poderia estar gravando essa conversa, como uma infiltrada do governo. Não quero que interprete minha reprovação do seu produto como um vilipêndio.  
  —Não se preocupe, não farei de novo — no mesmo instante se levantou da minha poltrona se aproximando de minha face. Baforei a fumaça de meu cachimbo em seu rosto, fazendo-a cerrar os olhos —.  
  — Que bom que se levantou, já estava achando rude e inconveniente de sua parte repousar suas  nádegas em minha louvada poltrona — protestei, driblando-a e sentando em meus aposentos estofados —.  
    Quando Moortje me faz uma visita, já suspeito da mensagem em que me traz: um caso. Porém, ela sempre se aproveita da situação para saciar a sede que ela tem por homens mais maduros como eu, de quarenta anos.  
    Desta vez, a circunstância não exigiu muito diálogo, ela apenas estirou seu braço em minha direção, na sua mão, havia um documento: uma ficha policial de um assassinato:
  — Você deveria fazer mais proveito do homem escultural que é, ao invés de ficar fascinado diante dessas lambujas criminalísticas - no mesmo momento Moortje sentou-se em meu colo, acariciando-me na face —. Este é um ótimo aposento para uma mulher holandesa habitar. O que você acha, Dominic Van Geboorte?
   — Não há necessidade de ditar o meu nome por completo, senhorita — contrariei logo me levantando, fazendo-a sair forçadamente de meu colo, assim cambaleando. Fiquei de costas pra ela, fingindo analisar a ficha, quando, na verdade, deduzia onde estivera antes de me dar o prazer da visita —. Quem lhe foi fazer companhia em Moeders (restaurante notável em Amsterdã)?
  —  Como disse? — questionou a mulher, virando-se para mim, porém voltando a sentar-se —.
  —  Exatamente. Quem lhe fez companhia em Moeders? Julgando pela mancha de molho na gola de seu vestido, e pelo cheiro do frango recheado que só eles sabem fazer, que senti enquanto me acariciava. Lá, a terra é vermelha, então, quando dobrou suas pernas, pude observar as manchas na sola de sua bota, o único lugar nas proximidades com essa tonalidade de terra é lá. Além de perceber os Pepernoten guardados em seu bolso, biscoitos em forma de bolotas que eles dão gratuitamente para seus clientes quando vão embora. E, estou admirado com a tamanha safadeza de seu companheiro — aquela altura do campeonato, Moortje estava boquiaberta, quanto eu só observava fitando a parede, estando de costas para ela — , apalpou suas nádegas no primeiro encontro?  
  — Como sabe de tudo isso? Como sabe que nos foi o primeiro encontro, tanto quanto me apalpou as nádegas? — observou Moortje, em tom amargo.
  — Detalhes são mesmo necessários? — me virei para ela, num sorriso apócrifo —. Bem, o brutamonte certamente comeu o frango recheado com as mãos, o que as sujou e as engordurou — disse, começando a rodear o cômodo —, então, sem limpá-las, apalpou-lhe e deixou as marcas dedilhadas em seu vestido claro. Sobre o primeiro encontro, você não se reproduziria despojadamente para ver uma pessoa de sua rotina corriqueira, essa reprodução devia-se á alguém especial. Que quisesse impressionar. Agora, Moortje, ou melhor Srta. Licht, com sua licença, tenho um caso para resolver  — levantei-me e a conduzi até a porta, a abri e Moortje protestou uma última vez:  
  — Você pode ser o melhor detetive de Amsterdã, mas isso não lhe dá motivos para espiar a vida de todos — disse já no lado de fora.
  —  Por Deus, Srta. Licht, eu apenas observo além do que vejo — nisso, fecho a porta e me estiro em minha cama, jogando a ficha do crime no criado mudo ao lado —.  
     Essa conversa dedutiva custara-me tempo, era hora de me sentar na escrivaninha e montar esquema que me levaria á resolução do caso. Ainda de pijama, comecei o estudo. O crime havia poucas pistas evidentes, chegara a mim prematuro e livre de qualquer detalhe: o corpo de um homem calvo, bem-vestido — usava um sobretudo e colete por baixo, sapatos da elite e jóias —, foi encontrado no interior de um cupê, cujo o dono não é mencionado na ficha. Pela foto que estava em minhas posses, havia certa escrita do lado do veículo, no ferro, parecia ter sido arranhada. Nela, li com muita dificuldade: "Peter H.". No mesmo instante, apanhei livros de cocheiros que havia na estante de meu quarto, com nome e como telegrafar para todos eles. Passei  por vislumbre nos nomes, até que achei os seguintes: Peter Hond e Peter Homogeen. Os dois tinham como inicial de sobrenome a letra "H". Mas o que me levou ao dono foi o fato de que Peter Homogeen dirigia cabriolés, e Peter Hond, cupês, onde o corpo foi achado.  
     Nisso, fui me trocar pois tinha de bater minhas asas investigativas. O dia estava frio, afinal, era outono; o dia nublado e pouco movimento. Típico de segundas-feiras monótonas. Logo apanhei minhas vestimentas mais quentes: sobretudo escuro de lã, um colete bege e meu chapéu preto. Por mais que não fossem me aquecer tanto quanto fiz parecer, admirava aquelas vestimentas.  
    Contudo, fiz sinal para o cocheiro, dei o endereço para qual queria ir, e assim parti num cabriolé com cavalos marrons, para o primeiro suspeito.  
     Peter Hond era um fazendeiro ordinário, que vivia numa casa simples no vasto campo verde. Vivia de suas cabeças de gado e de dirigir cupês. Tinha um de sua própria autoria, o que o indicou como primeiro suspeito. Chegando lá, parecia-me um lugar inóspito, pois o vento que soprava em minhas orelhas era o único som audível. Pedi ao cocheiro que parasse a duzentos metros de distância, para que eu pudesse observar minuciosamente a trilha até sua casa; de repente, poderia mostrar marcas da roda no solo, o que poderia indicar desespero do fazendeiro. Sem sucesso, apreciei os horizontes verdes, até, finalmente, alcançar sua residência. Na parte de fora de sua casa, havia seu cupê, livre de cavalos, coletei uma lasca de sua tintura e a depositei num plástico para que analisasse depois.  
     Com quatro batidas na porta, fui recebido calorosamente por sua criada Edith, de cabelos louros amontoados com o coque, seus olhos azuis me diziam para entrar. Agradecia hospitalidade e, sem demora, perguntei sobre o Sr. Hond, a criada me respondeu que ele saíra, mas que voltaria depois de organizar seu pastoril, o que não demoraria muito tempo. Edith me deu a liberdade da casa, pude adentrar todos os cômodos rústicos e verificar livros.  
    Tomando certa liberdade, tentei não parecer vil para ela, como um intruso; porém tinha de ter notas o mais rápido possível. Entrei no quarto de Peter e me deparei com duas grandes janelas que clareavam o quarto por inteiro, havia livros de cavalaria no chão e uma escrivaninha ao lado da cama. Uma vela morna me chamou atenção quando passei por perto do escrivão, tinha sido apagada há pouco tempo, mas o que o levaria a acender uma vela, sendo que seu quarto já estivera iluminado? Isso foi uma questão boba, mas confundível. Sob a escrivaninha havia um tinteiro e uma pena, pedaços de pergaminho e um livro de cavalaria aberto; o que não me levou a nada. Contudo, nada naquele homem me parecia suspeito, ele demonstrava ser apenas um civil tentando ganhar o mínimo digno de um humano. Me assustei quando a criada me chamou, na porta do quarto do fazendeiro, para oferecer-me chá, aceitei, nisso desci as escadas de volta para a sala.  
    Tomei o primeiro gole daquele chá aguado quando ouvi passos na grama, era Sr. Hond. Enfim chegou, o homem de estatura baixa, costeletas prolongadas ao rosto, dentes de rato e macacão de um trabalhador rural:
   — Sr. Hond! Que honra conhecer o senhor! — levantei-me e estirei o braço para cumprimentá-lo, com um sorriso forçado —. Vejo que tem trabalhado duro no meio rural, se me permite dizer, A propósito, sou Dominic Van Geboorte, o detetive que apurará o caso do corpo dentro de seu cupê.
   — Oh, sim! Sr. Van Geboorte  — correspondeu ao meu cumprimento, com rosto expressivo de surpresa  —, estava a sua espera. Tem algumas perguntas para mim, eu suponho.
  — Sim, senhor. Se conveniente respondê-las, claro  — disse puxando do bolso de meu colete um bloco de notas e uma caneta-tinteiro —. Também há acusações, se não se incomodar. Preciso saber a origem de tudo; primeiro, como achou o corpo?
  — O corpo estava estirado no interior da cabine do cupê. Não sei como foi parar lá.
  — Há alguma suspeita levantada de quem executou tal ato?   — Não, mas posso lhe dizer que estacionei meus cavalos para repouso, pois havíamos corrido muito com os clientes. Quando voltei, me deparei com a cena.  
  — Onde repousou seus cavalos? — perguntei largando o bloco e a caneta nos joelhos e acariciando o queixo —.
  — No lado direito do canal principal de Amsterdã, não consigo citar nomes. Porém, achei um símbolo riscado com o que parecia chave, na porta do meu veículo, pela parte de dentro.  
  — O senhor saberia que me dizer, por estimativa sequer, que horas eram? — cerrei os olhos, confrontando-o —.
  — Eram, mais ou menos, oito da noite.
  — Ótimo, Sr. Hond! — exclamei levantando-me rapidamente e em mãos meus utensílios. Nem apertei-lhe a mão, agradeci-lhe o chá e me retirei —.  
    No final, não consegui acusar Peter. Com todas as deduções que fiz rispidamente em minha mente, não consegui enxergá-lo como culpado. Não levantei nenhuma pergunta acusativa a ele, pois já sei que é inocente, Me dirigi ao necrotério, antes de ser velado, tinha de fazer uma última consulta á minha vítima.  
    Foi dificultoso conseguir um cabriolé na fazenda, mas consegui em tempo. Eram uma hora da tarde e, de acordo com meus cálculos, tinha de estar em casa até as cinco para começar as minhas investigações.  
    Queria economizar tempo, por isso, despistei a recepcionista que estava desatenta na hora que pousei com meus pés em terrenos mórbidos. Sabia que o corpo tinha de ter um símbolo, as gangues americanas fazem isto; deixam sua marca no corpo e no local onde o crime havia sido cometido. Puxei gaveta por gaveta, até achar um corpo com uma espécie de anel rasgado na pele. Não deixar Sr. Hond descrever a figura para mim, foi prejudicial depois, pois não sabia pelo quê exatamente estava procurando. O nome da vítima era "Christian Van Deen", que carinhosamente era conhecido como "Christie". Coletei uma amostra de suas digitais, logo as levaria para minha casa, onde, recentemente, comprei um microscópio. Com a lasca de ferro de sua carruagem e com a digital de Christie, o caso estava quase todo resolvido, se estivesse onde pensei que estava. Saí tão sorrateiramente quanto entrei, despistando todos os olhares profissionais.  
    Logo estava em casa, onde analisaria minhas coletas. Acendi meu cachimbo para me ajudar a pensar e deduzir o que levaria a morte do homem calvo.  
    O máximo que eu poderia fazer, era comparar as amostras. Não tenho acesso a tanta tecnologia, afinal, é 1887. Mesmo assim, cheguei a conclusão de que era mesmo Christie que estivera estirado á dentro. E, pelo que analisei no necrotério, não exibia sinais de violência, ao não ser pelo anel desenhado rasgado em sua pele. O que me leva, então, a pensar que poderia ter ido envenenamento, o que seria menos provável. Contudo, a inserção do veneno não ocorreu pela boca, e sim foi contraída pelo rasgo exposto que mencionei, como se tivesse sido infectada. Então, se não houve nenhum sinal de homicídio proposital, o homem poderia sido morto por acidente, mas por quem? Por quê?  
    Ouço duas batidas lentas na porta, com certeza não era Moortje, reconheci pela frequência dos sons: era Fritz, o oficial de polícia que recebia e tentava resolver alguns casos. Abri a porta e lá estava: o homem com uma cartola, bigode espesso e óculos redondos. Usava uma roupa digna de um cavalheiro fiel ao policiamento.
  — A Srta. Licht lhe entregou o caso não? — disse rispidamente, dispensando cumprimentos.
  — Boa tarde, Oficial Van Persen — cumprimentei, logo fechando a porta para que pudesse expor seus assuntos —. Sim, ela me entregou, aquele cru de detalhes, sem qualquer característica que eu pudesse deduzir algo. Estranhei que não me telegrafaram assim que encontraram a cena do crime, pois assim poderia analisar mais minimamente.
  — O caso teve de ser apurado com rapidez, meu jovem — disse, tirando sua elegância ao sentar-se em minha poltrona —. A propósito, não confiou suas deduções a qualquer coisa que Moortje lhe disse, não?
  — Não encontro válvulas para a sua desconfiança da agente, além de sempre ignorar suas afirmativas. Por favor, aceite um charuto.
  — Se não for muito incômodo acendê-lo para mim, Senhor Van Geboorte — ironizou, nisso pus seu charuto dentre seus lábios e os queimei —. Na verdade, Dominic, a sua mente é realmente dotada de inteligência. Porém, ao tentar enxergar as coisas pertencentes á minúcia, não observa as essenciais.
  — O que quer dizer, oficial? — questionei baforando a fumaça do charuto em sua direção.
  — Meu ponto é que, Moortje não é confiável. Trai até mesmo seus mais fiéis escudeiros. Quando quis entrar para o governo, a ficha que ela nos propôs estava tão livre de informações, quanto a deste caso. Porém, o Sargento quis incluí-la no posto porque suas metas nos testes, tanto físicos como psicológicos, ultrapassaram a meta esperada. Nunca me esquecerei, houve um caso de roubo que cobri que, de alguma forma, o preso conhecia a Srta. Licht, e gritou: "ela nos pertencia, Moortje nos pertencia!". Até hoje não discerni o que poderia ter sido aquilo.  
    Não dei muita importância ao que Fritz me dissera, pois vivia criando antagonismos com todos com que convivia. Em pé, olhando para ele, não silabei uma só palavra, o cheiro de tabaco forte já nos dizia muito do momento de lazer que havíamos involuntariamente criado ali. Me ocorreu que foi o único momento do dia em que parara para fazer algo que não fosse investigar, mas logo apressei meu companheiro que, com as pernas cruzadas, aproveitava o ócio do momento:
  — Diga-me logo o porquê de ter vindo aqui, oficial. Tenho trabalho a ser feito.
  — Além alertar-lhe sobre a moça, vim trazer-lhe uma informação de grande utilidade: descobri onde morava Christie. Por mais que seja um chefão do crime, preferiu manter a simplicidade se alojando num local daqueles.
   — Ora, por que não me disse logo? — exclamei, abrindo os braços com o charuto pendente na boca — Teria adiantado muito o meu trabalho. Agora dê-me logo o endereço e retire-se!  
     Sem reclamar, o velho — deveria ter uns cinquenta e quatro anos, ora então nem não velho assim — me entregou um panfleto com o endereço cujo o nome não me lembro, levantando-se. No mesmo instante me disparei para o quarto para apropriar-me de mais uma investigação. Esqueci completamente que o oficial ainda estava de pé no meio da sala, apanhei meus utensílios (lupa, caneta-tinteiro, bloco de notas). E abri a porta, ele protestou e disse que me acompanharia até a casa. Então, partimos.  
     Descemos em frente a casa, era um prédio típico de Amsterdã, com bloquinhos marrons alaranjados com nove janelas só na parte frontal. Fitamos, sem silabar absolutamente nada, o prédio. Depois entramos. Surpresos que não havia nenhuma faixa de "interditado" na entrada do prédio, a porta também estava destrancada.
  — Poderíamos dar uma ótima dupla, Dominic — finalmente disse Fritz, por mais que esperava que ele disse algo que descrevesse tons de surpresa —.
  — Eu me sinto incomodado, tanto quanto sinto que estou tendo meu território invadido quando faço trabalho cooperativo. Não me interesso em juntar-me a você, sem posteriores ofensas, por favor.
  — Não, eu, hm... Bem, vamos logo investigar.  
     Os pequenos respingos de sangue eram evidentes, estavam espalhados um tanto pela parede direita e esquerda do vestíbulo. O papel de parede tinha pequenos rasgos que, imaginando a aflição, deveriam ter sido provocados por unhas compridas. Uma poça de sangue (seco) estava na passada do vestíbulo para o corredor, nela o assassino de Christie poderia ter pisado acidentalmente, pois percebia-se que dera três passos — por pegadas sanguíneas —. O que poderia indicar que se importara de pisar ali, e que, de alguma forma, queria reverter o feito. Diante desses, observei mais algumas pegadas de sangue com um número mais elevado de calçado, e percebia que a sola era diferente. Comecei a considerar que o malfeitor talvez não quisesse ser percebido, ou não quisesse realmente matar o homem, mesmo assim, não dava pra impedir que o sangue jorrasse.  
    Seguindo as pegadas, fui conduzido até uma sala que, aparentemente, era de visitas. Onde a vítima tinha suas horas de lazer fumando ou lendo. Lá, havia sangue acumulado em um lugar específico, na frente de sua poltrona, onde obviamente, tinha sido assassinado.  
    Fiz minhas anotações, agachei-me para visualizar melhor os cantos da sala e depois, com um suspiro que assustou Fritz, levantei-me rapidamente, indo para fora da casa. Este repente me ocorreu pois, supradito, comecei a relevar o fato de que o indivíduo não gostava de sujar suas mãos, usaria luvas. Mas na pressa que deveria estar para esconder o corpo, as jogou no lixo de fora, que havia coleta de lixo naquela noite; o que para minha sorte, não aconteceu. Lá estavam elas, as duas luvas, um par perfeito que, se bem analisadas, poderiam dar um fim no caso. Entretanto, se o criminoso não gostasse de sujar as mãos, além de analisar as luvas ele teria feito o quê? Usado capangas, é claro! Com esta descoberta, exclamei: "óbvio!", ainda lá fora. O oficial Van Persen expeliu-se para fora da casa com tanta rapidez, que achei que fosse um raio. Sem o deixar questionar, expliquei-o:
  — O assassino não queria ser percebido, oficial. Por isso usou este par de luvas. Contudo, esta ainda não seria a proteção necessária para não sujar as mãos; ainda tinha de ter capangas para lhe fazer o trabalho sujo! Por isso as pegadas diferentes, o que me leva a crer que estamos lidando com uma mente poderosa, que desvia todos de tudo o que faz. O assassino, calça consideravelmente bem menos que os capangas, e tem o salto do sapato mais fino, bem mais fino.. Com isso, os dois capangas do matador calçam o mesmo número que o senhor, altos, aproximadamente 1,80m. Porém, identifiquei outros calçados que também estavam no quarto, mas não entraram depois das machas de sangue serem feitas, que são os dois capangas que Christie também tinha.
   — Como soube quem era assassino e quem era capanga, Dominic?
  — O mestre sempre vai no meio, ou na frente, oficial, para  mostrar superioridade — expliquei.
  — E como sabe da altura dos capangas?
   — Ora, Fritz. Os tiros soados estavam na altura deles, óbvio demais. Ou não reparou neles, na sala? — disse, expressando ênfase —  O senhor não prestou atenção na parte mais intrigante: o salto do sapato era fino. Isso significa que, ora estamos lidando com o rei Luís XIV, ora uma mulher.  
    Esta afirmação deixou o oficial, meio corcunda e de meia idade, boquiaberto. Ele sequer ousou silabar protesto. Lhe aconselhei que fosse para seu escritório investigar casos mais fáceis e de sua natureza, já que este o causara dores de cabeça. O deixei lá, na frente da casa onde ocorrera o crime, não sei se queria aproveitar o cabriolé que peguei, apenas ficou parado, fitando poeticamente o fluido da água no canal.  
    Não quero que isto soe imparcial para as pessoas que tenho arredor, sei que talvez pareça egocentrismo egoísmo, mas eu trabalho e sempre trabalharei sozinho. Agora, tinha de me dirigir para meu lugar mais inóspito: minha mente. Acendi meu cachimbo e me parti para meu quarto, onde começaria as análises dedutivas.
    Tudo o que tinha era um par de luvas e o conhecimento de que a chefia de tudo, era uma mulher. Calçava um número digno de um pé de princesa, porém tinha a audácia de usar um salto alto fino. Com isso, pude perceber que a mesma não queria que soubessem da existência dela, por isso o par de luvas.
    Não sei o motivo decorrente, mas neste exato dia eu estava com a mente turbulenta quando mais precisaria me concentrar. Disso, parti meu pensamento de que o estalar das chamas da lareira, seria reconfortante. Acendi, e nisso, fiz o uso de rapé para que pudesse acrescentar minhas ideias e ampliar meus horizontes diante o caso. Tudo o que fiz foi tentar encontrar um motivo para o assassinato, porque com isso, tudo estaria resolvido; tenho acesso a várias fichas civis na delegacia, o que eu poderia desfrutar bajulando Van Persen, mas não achei uma explicação plausível para o feito. Foi daí que surgiu o pensamento de que, se a mulher não quisesse ser descoberta, havia duas possíveis explicações: ela tinha uma reputação a preservar ou apenas não queria ser presa. O segundo fato é muito óbvio, se ela realmente não almejava ceifar a morte de Christie, poderia muito bem ter mandado apenas os capangas, mas há algo que me intriga: pelo que parece, ela mesma queria encerrá-lo. Contudo, há um modo muito cordial e bem realizado com que tudo aconteceu, a morte aparentemente rápida, com apenas um golpe certeiro em cada capanga de seu inimigo. Certamente, tinha uma reputação a zelar. Daí excluí da minha lista negra civis comuns de quem poderia desconfiar, a mulher tinha que ter um alto cargo, ou algo que pudesse lhe permitir acesso a tudo e a todos.
    Com um pó negro que fiz utilizando carvão, pude desvendar as digitais que tinham dentro das luvas. Suas sutis digitais eram gastas, e tinhas espécies de rachaduras contidas nela, o que me entregava uma característica singular de meu criminoso. Mesmo sabendo de sua digital, poderia ser qualquer pessoa que ocupasse um cargo significativo, como o rei da Inglaterra, então seria impossível ter acesso á essa informação.
   Recebi um telegrama de Moortje, para que eu a encontrasse numa catedral importante da cidade daqui 40 minutos. O fiz, depois deste tempo, lá estava eu com meu chapéu, sobretudo bege, colete cor de mel e cachimbo aceso. Fazia um frio considerável, e o vento soprava, uivando em meu cachimbo. Com alguns minutos de atraso, lá estava ela. Vestindo preto como sempre, porém com o corpo obrigatoriamente mais coberto devido ao frio, batom vermelho e com as mãos nos bolsos. Me surpreendi com o fato de que ela não tentou me vender suas especiarias logo de cara:
  — Soube que você e alguém da polícia foram investigar o local do crime, provavelmente já tirou algumas conclusões... minuciosas.
  — É, fui lá com o oficial Van Persen, quem não ajudou em nada. Mas você está certa, srta. Licht. Se me permite perguntar, a que lhe devo este encontro?
  — Á mim — disse em tom suave. — Como uma cidadã e cliente, não como sua conhecida do governo. Quero um conselho, Van Geboorte.
  — Ora, então prossiga — revelei depois de um silêncio escaldante. — Estarei grato a ajudar-lhe no que for capaz.
  — É minha mãe. Ela está com um de seus vários problemas á vícios químicos, não tenho notícias dela há dois meses, nem sequer sei se ainda repousa os pés sobre o mundo. Já fiz de tudo para ajudar, queria saber, partindo de seu frio coração, se ainda devo correr atrás dela. Meu espírito diz que sim, mas meu lado lógico conclui que não devo, que já fiz demais e que ela jogou todas as minhas esperanças, de a tirar desse mundo químico, fora.
  — Hei de convir que ela fez descaso de suas ações. Mas ela ainda é sua mãe. Me dê o nome dela, posso ajudar na procura, se me couber. — apaguei o cachimbo para mostrar-lhe respeito, então Moortje tirou do bolso o RG de sua mãe. Anotei num bloco de papel o nome. Sem perceber, tinha sido indelicado com o conselho que a moça me pedira, imediatamente incluí o fato de que a mãe de Moortje ser envolvida com drogas, ao caso da morte de Christie, ambos eram envolvidos com a substância — De qualquer forma, Srta. Licht, ela ainda é sua mãe. E não há esforços a serem medidos em relação ao amor materno, certamente, quando a acharmos, resolveremos este problema tão delicado que é o dela com drogas. Então, não se estresse quanto ao paradeiro dela, pois farei o possível para achá-la.
  — Foi de muita importância o seu conselho, Dominic — disse ela com lágrimas pendentes nos olhos. — Achei este documento na casa dela há duas semanas, fui para matar a saudade de casa, e voltei com mais saudade ainda.
  — Se me permite, Srta. Licht, tenho um caso urgente a ser resolvido. Está entardecendo e ainda tenho uma viagem dedutiva noturna para tomar — concluí virando-me e saindo ás pressas. Acenei para o primeiro carro que vislumbrei e o mandei para a delegacia. Estava com pressa e a viagem me parecia muito mais lenta do que costuma ser.
    Pulei do cabriolé e paguei o cocheiro numa fração de segundos, invadi o recinto policial e logo corri para onde sabia que o Oficial Van Persen estaria. Lá, ele estava fazendo um escrito á coroa Holandesa que teve de ser interrompido só pelo o olhar que o lancei:
  — Oficial, por ignorância, o caso está ficando mais claro! — exclamei, o fazendo largar até mesmo a pena — Preciso da ficha de uma cidadã holandesa o mais rápido possível, seu nome é Amélie Licht, isso custa o fim de nosso caso — Fritz Van Persen nunca me parecera tão abismado e apressado. Com brio, abriu uma parte de ser gaveteiro e folheou fichas, até puxar uma rapidamente e abri-la na mesa.
  — Se não fosse interrupção de sua linha de raciocínio, gostaria de saber o motivo da agitação, Dominic, e o porquê disso custar o fim do caso — questionou, me fitando enquanto lia depressa os papéis —.
  — Você já saberá, Fritz, já saberá — balbuciei quanto espalhava as papeladas. Numa envergadura de minha face e de um pulo que não consegui conter, o oficial me fita com estranhamento. — Isso é fantástico! Por tolice de minha mente, todos os pontos fazem sentido, agora preciso recolher detalhes minuciosos o suficientes para concretizar e, quem sabe, formar novas teorias promissoras.
  — Por obséquio, posso te perguntar o que lhe faz tão contente?
  — Ora, meu caro Van Persen — respondi com o sorriso estampado de orelha á orelha —, praticamente resolvi o caso do assassinato de Christie. Antes que me pergunte como, essa cidadã, Amélie, é nossa nova suspeita. Moortje me telegrafou, declarando que a encontrasse na catedral, a encontrei, acabei de sair de lá por sinal, me pediu um conselho em relação á sua mãe que estava imersa no mundo do vício químico. Logo, por impertinência de minha mente, a liguei ao caso, pois o assassinado tinha ligação com este mesmo campo, e vendia drogas freneticamente. Tudo tem se juntado sem que eu me esforçasse para perceber, até um morcego cego seria capaz de ser lógico o bastante. E, pelo que li nesta ficha civil, ela já tem passagem criminalística pela polícia por portar, usar e vender as substâncias de modo abusivo. Os pai de Amélie era francês, sua mãe, holandesa; embora não veja de que essa informação lhe seria útil. Em resumo, Amélie tem envolvimento com o crime, ou alguma ligação indireta.
  — Notáveis habilidades — orquestrou por fim. — Mas, por mais que ela possa ter certa influência, não vejo que ela teria discernimento para ser tão precisa ao matar aqueles homens, considerando que estivesse sob efeito químico.
  — Analisarei o caso, e voltarei amanhã com ele resolvido. Está duvidando, eu presumo, mas essa ficha foi água no meio do deserto para este caso — virei-me e saí, parti para casa e logo acendi a lareira para tornar o ambiente mais agradável.
    Parti para meu escritório onde separei, com cuidado, as pessoas pelo qual achava suspeitas e, com as mãos pesadas, incluí a mãe da srta. Licht. Logo, apanhei meu único e fiel companheiro, microscópio. Examinei minuciosamente, anotando quaisquer indícios suspeitos que houvesse no documento de Amélie, e, por sorte, notei pequenos farelos na borda. Não sou especialista em detectar substâncias quimicamente modificadas para prazer alucinógeno, mas, pela monografia que fiz na faculdade de medicina, pude perceber que era cocaína. Depois, dentro do plástico que envolvia o papel, havia o endereço definitivo da mãe de Moortje.
    Além de descobrir a causa e o assassino de Christie, ainda tinha que chegar ao paradeiro da sra. Licht, como prometido. E não entregaria um enquanto despia-me de outro, havia de ser ambos sucessos. Quando finalizei minha pesquisa aos documentos, já era tarde de noite, aproximadamente onze da noite, mas, mesmo assim, decidi ir a casa onde tudo aconteceu. Não havia carros com tanto ardor que havia a tarde, obviamente. Contudo, esperei pelo cupê que me levou até a casa que ainda estava trancada. Quando entrei, não havia nada de diferente do que eu vira a primeira visita que fiz, as manchas de sangue, o tiro. Me dirigi, sem rodeios, ao quarto onde tudo aconteceu e ignorei as pistas que encontraria mais tarde no vestíbulo. Nos aposentos do assassinato, verifiquei as prateleiras com minha lanterna e não achei nada que ligasse a dependente química ao caso, até que resolvi puxar as gavetas de sua mesa de escritório. Não achei nada que me fosse favorável a solução desse ponto de interrogação enorme, até que esvaziei a última gaveta inteira e achei uma caixa de madeira, com uma paisagem do campo gravada nela, que estava escrito "clientes" na lateral. O artefato era trancado á chave, e, finalmente, achei no fundo da primeira gaveta. Abri, e estava organizado a quem vendia drogas e Amélie Licht era a primeira na lista de chamada, nela estava carimbado "dívida mortal" com tinta vermelha. Isso evidentemente significava que era um mandato de morte á moça, e comecei a cogitar que ela teria possivelmente morrido, mas uma explosão ocorreu á mim quando lembrei que Moortje dissera que fazia duas semanas que ela achou o documento de sua mãe, em sua própria casa. Ou seja, a drogada não está morta.
    Já com esta descoberta, mal estava contendo a felicidade, quando resolvi parar no vestíbulo, onde os primeiros homens morreram. Acendi várias velas no local para não perder sem uma minúcia sequer, nisso um brilho cintilante prateava em meus olhos, quase me levando á cegueira temporária, era um anel que estava no canto do cômodo, era pequeno e nunca seria visto na luz mansa do dia. Agachei e fiquei de quatro, analisando com a lupa primeiro, para depois apanhar o objeto, via-se uma criatura de feições egípcias. Essa era uma descoberta de grande valor, e com certeza deveria ser levada em conta.
    Minha expedição noturna não tinha acabado, rápido como a velocidade da luz, saí daqueles aposentos para ir á casa da sra. Licht. O cocheiro deveria estar com sono, pois o carro se perdia com os cavalos ás vezes, afinal, eram uma da manhã. Cheguei na casa humilde e de tamanhos reduzidos, tinha uma pintura agradável de turquesa e tijolos alaranjados, uma harmonia de respeitável gosto. Entrei, tudo era dividido pelos móveis, num cômodo só: a sala, o quarto, a cozinha. O cheiro de tabaco era forte para enganar o odor dos químicos ingeridos, os móveis eram gastos e rústicos. A geladeira enferrujada continha os lembretes mais gritantes como: "Pagar C" repetidas vezes e "recorrer ao escritório de contabilidade A&S". Resolvi analisar mais o interior da casa tão singular e encontrei um par de botas de couro marrons recostadas no sofá, de imediato desconsiderei que as botas de salto fino eram da senhora-mãe, o que excluía ela da lista de suspeitos de assassinato de Christie. Por mais tarde que fosse, eu fui ao escritório que sabia onde se localizava e sabia que era aberto vinte e quatro horas, seria lá que eu encontraria Amélie e a faria contar tudo o que sabia sobre o chefe das drogas, que era claro que conhecia.
  — Cocheiro, siga para o endereço nº 263, rua Princesengracht! — exclamei seguro de minhas incertezas —.
    Chegando lá, não havia nenhum que notasse minha presença e infiltração sem prévio aviso, afinal, poderia ser um cliente. Com tranquilidade, perguntei a uma secretária de cabelos dourados amarrados em rabo de cavalo, usava óculos redondos e neles continham olhos verdes, onde estaria a senhora Licht, porque sabia que ela estava por lá. Nunca presenciei tal palidez em uma pessoa que quase pude ver, entre sua pele, seus órgãos e sistema esquelético. Ela tentou procurar refúgio nos olhares de outra pessoa, para que ela a pudesse acolher, mas logo notei e percebi que olhavam para as escadas que davam pro segundo andar. Saí em disparada pensando que eles pudessem correr atrás de mim, de modo que me alcançassem. Subindo as escadas, entrei numa área proibida que era a poucos  metros de onde trabalhavam funcionários em áreas fechadas. Entrei e logo após tranquei a porta e coloquei uma mobília na frente. Lá, havia uma parte em formato de porta, contornado em azul na parede, empurrei-a e logo caí em mais uma escadaria para mais um andar acima. O silêncio depois do bater da entrada secreta, era exagerado. Com isso, pude ouvir somente uns choramingos distantes e femininos, me aproximei e pude ouvir a voz de Moortje sussurrando que alguém estava vindoz com certeza, e que ela o mataria. Subi as escadas com passos leves, e logo vi uma mulher abraçada com os joelhos que mudara de feição enquanto me fitava: de triste e desesperada, para apavorada e amedrontada. Essa mesma mulher apresentava uma feição física muita fiel a de sua filha, srta. Licht, e com certeza era a mãe viciada. Estava em boa forma para quem usa drogas com tanta frequência com a qual me descreveram, havia poucos fios brancos pendentes em seu cabelo preso em um coque. Logo, a mulher que estava de costas, minha colega, vira-se com o olhar irônico, como se esperasse o acontecimento daquilo tudo:
  — Como esperado, sr. Van Geboorte, eu sabia que viria — disse a filha de aparência sedutora, com o cabelo preso num coque, portando uma pistola. — Esperado do detetive mais minucioso da Holanda.
  — O que quer dizer ao porte dessa arma e a esta senhora? — logo questionei, apontando para sua mãe —  O que está tramando?
  — O planejado desde o começo, Dominic — disse ela apontando a arma para minha cabeça, engatilhando-a. — A sua morte.
     Neste momento meu coração paralisou, foi como se o tempo tivesse parado. Como pude ter sido tão burro a ponto de não enxergar que Moortje não era confiável? Van Persen me alertara e eu não ouvira.
  — Minha mãe foi apenas uma intermédia para este nosso encontro, o último. A usei para atrair-lhe para cá, e parece que funcionou. Esta velha não deixa de ser uma drogada, mas funcionou bem perante minhas distrações.
  — E quanto a morte de Christie, hum? Achei algo que concretizou a sua culpa lá.
  — Eu teria de matar Christie de qualquer modo, minha mãe devia para ele, ela estava na sua lista negra. Eu precisava da velha para termos este encontro charmoso. Não nego que não quis que fosse percebida como assassina oficial dele, pois seria percebida pela polícia e acusada. E eu vi, cada passo seu, cada pista seguida, cada local visitado; assim, pude prever seus movimentos. Meus homens te seguiram até meia hora atrás. Incriminar o camponês Peter Hond, também foi um movimento bem preciso de minha parte, não acha?
    O silêncio total tomara conta do quarto, estava trêmulo e confuso. Minha teoria estava certa:
  — Ah, Dominic Van Geboorte, como você se acha experiente no mundo da minúcia quando na verdade, há muito de aprender — disse ela com ar e ironia, balançando a cabeça —.
  — Ah, Moortje Licht, não queira ensinar os mestres. A senhorita acha que sou idiota? — no mesmo instante, gritei um código que havia combinado com meus homens para chamá-los: "mordeu a isca!". Assim, vários agentes saíram de mobílias falsas, e apontaram suas armas para a cabeça das duas criminosas. Para a minha surpresa, ela não ameaçou atirar em mim, pois como suspeitei, estava sem munição. Não reagiram á prisão, as algemas foram traçadas sem prévias resistências.
    Quando, fracassadamente olhou para cima, Moortje questionou:
  — Como? Como soube todos os meus movimentos?
  — Foi fácil. Tudo foi novidade para mim até que eu conseguisse as luvas, depois foi pura arte. É incrível que, uma mente tão capacitada como a sua, tenha cometido um erro tão grave: se meter comigo. Quando o oficial Van Persen me alertou sobre você, já desconfiava pois as pegadas coincidiam exatamente com as botas que você usa, bem finas. Srta. Licht, a mulher que já foi professora de artes marciais, conseguiu derrubar os gigantes de Christie, cada qual com um golpe, outro ponto positivo para a sua prisão. Quando você me convidou para irmos á catedral, foi o ápice de seu álibi, pois pude confirmar o tamanho de suas botas, e sua inocência forçada. Quando vi o endereço dentro do documento, tive a ideia de ir a casa de sua mãe apenas para concretar as informações, que me dera e para dar a falsa impressão que estava sendo enganado. Antes eu tinha ido á cena do crime, onde eu encontrei o anel, coisa que, certamente, você não esperava que eu encontrasse. Quando encontrei o anel, pude ter certeza que era você a assassina, pois havia antes uma certa incerteza, por mais que eu já esperasse encontrá-la aqui. O Anel da Sedução, Nefertiti: a rainha mais poderosa do Egito, esposa do faraó Akhenaton que construiu vários templos dedicados á ela, que era a única encarnação de uma divindade na Terra. Usou sua imensa beleza, sabedoria e astúcia para ser desejada e adorada, uma vez que tinha mais poder que o faraó, também espalhava o miticismo pelo Egito, bem fruto de suas características. Coisa que teria perdido se não tivesse me formado em História.
  — Você não era formado em Medicina? — fui surpreendido pelo oficial Fritz Van Persen, que punha a mão no meu ombro —.
  — Meu caro Van Persen! É uma das minhas quatro graduações — me exibi, estufando o peito —.
  — Como? — insistia Moortje — Como pôde avisá-los a tempo? Meus homens sempre estiveram atrás de você!
  — Você mesma disse — comecei pacientemente —, srta. Licht, que seus homens me seguiram até meia hora arás. Tempo de fazer um telegrama urgente á delegacia. Oh! Cuidado na escada, senhorita! — disse, enquanto ela era arrastada, com indignação estampada no rosto, para á saída —.
    Nos reunimos todos e saímos do prédio, as aventuras noturnas eram as mais empolgantes e esse, com certeza foi um belo trabalho cooperativo. Sou sempre tachado como egoísta, egocêntrico e arrogante mas, no fundo, me diverti com essa experiência social. Na frente do edifício, eu e Van Persen nos despedíamos:
    — Não tive a chance de te elogiar, mas é um homem de inteligência admirável, sr. Van Geboorte. Quatro graduações, se me permite, quais são? — me fitava o oficial de modo inquieto —.
   — Ora, oficial, me formei em Medicina, História, Direito e Letras. Exatamente nessa ordem. Agora, se me permite, descansarei minha mente, repousando-a num travesseiro aconchegante. Boa noite, oficial Van Persen — me afastei com um cumprimento de cabeça, tirando e pondo meu chapéu de volta —.
   Fui traçando o caminho de casa com um charuto em mãos, pensando que poderia ter uma bala afundada em meu peito se minha teoria sobre a munição estivesse errada, mas correu tudo bem, e a senhorita Licht não incomodará outro detetive pelos próximos anos.