by Guilherme Buesso

quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Contos: O CRIME DISFARÇADO

    Eram seis horas da manhã, quando fui surpreendido por batidas altas e repetidas na porta. Ignorei para ver se a pessoa desistia de seu objetivo e fosse embora. Mas o ser era insistente, levantei-me e andei até a porta, o que parecia ser quilômetros, de pijama. Lentamente apanhei a chave na pequena bancada que havia ao lado da porta e disse: "já vai". Destranquei e rapidamente Moortje invadira meu escritório sem mencionar uma letra do alfabeto; enquanto fechava a porta novamente, ela se sentava na única poltrona da sala, o primeiro cômodo da casa.  
    Moortje era uma funcionária do governo, vestia-se sensualmente e com o batom vermelho, tentava seduzir todos os homens que seu caminho invadissem. Era dona de um corpo alto, magro, e rosto fino, que destacava os ossos de suas bochechas. Seus cabelos castanho-escuros cobriam o seu olho direito, enquanto o esquerdo me fitava com sensualidade. Dobrou as pernas e descansou os braços nos dois lados da poltrona. Eu fiz meu caminho para a sala, apanhando o meu cachimbo e o fumo que estava numa estante de madeira escura no corredor, enquanto acendia, esperava a mulher discursar mais uma das suas tentativas de sedução:
     — Você me parece cansado, por quê não o descansa em um corpo feminino? — finalmente declarou Moortje me fitando dos pés a cabeça —.  
    — Essa é sua vigésima tentativa para me arrastar para o seu produto - disse, a desfocando com as baforadas no cachimbo —. Mas você sabe que é em vão, por mais que saiba que me relaciono somente com meu trabalho investigativo. Tenho de ser cuidadoso com minhas palavras, hipoteticamente, você poderia estar gravando essa conversa, como uma infiltrada do governo. Não quero que interprete minha reprovação do seu produto como um vilipêndio.  
  —Não se preocupe, não farei de novo — no mesmo instante se levantou da minha poltrona se aproximando de minha face. Baforei a fumaça de meu cachimbo em seu rosto, fazendo-a cerrar os olhos —.  
  — Que bom que se levantou, já estava achando rude e inconveniente de sua parte repousar suas  nádegas em minha louvada poltrona — protestei, driblando-a e sentando em meus aposentos estofados —.  
    Quando Moortje me faz uma visita, já suspeito da mensagem em que me traz: um caso. Porém, ela sempre se aproveita da situação para saciar a sede que ela tem por homens mais maduros como eu, de quarenta anos.  
    Desta vez, a circunstância não exigiu muito diálogo, ela apenas estirou seu braço em minha direção, na sua mão, havia um documento: uma ficha policial de um assassinato:
  — Você deveria fazer mais proveito do homem escultural que é, ao invés de ficar fascinado diante dessas lambujas criminalísticas - no mesmo momento Moortje sentou-se em meu colo, acariciando-me na face —. Este é um ótimo aposento para uma mulher holandesa habitar. O que você acha, Dominic Van Geboorte?
   — Não há necessidade de ditar o meu nome por completo, senhorita — contrariei logo me levantando, fazendo-a sair forçadamente de meu colo, assim cambaleando. Fiquei de costas pra ela, fingindo analisar a ficha, quando, na verdade, deduzia onde estivera antes de me dar o prazer da visita —. Quem lhe foi fazer companhia em Moeders (restaurante notável em Amsterdã)?
  —  Como disse? — questionou a mulher, virando-se para mim, porém voltando a sentar-se —.
  —  Exatamente. Quem lhe fez companhia em Moeders? Julgando pela mancha de molho na gola de seu vestido, e pelo cheiro do frango recheado que só eles sabem fazer, que senti enquanto me acariciava. Lá, a terra é vermelha, então, quando dobrou suas pernas, pude observar as manchas na sola de sua bota, o único lugar nas proximidades com essa tonalidade de terra é lá. Além de perceber os Pepernoten guardados em seu bolso, biscoitos em forma de bolotas que eles dão gratuitamente para seus clientes quando vão embora. E, estou admirado com a tamanha safadeza de seu companheiro — aquela altura do campeonato, Moortje estava boquiaberta, quanto eu só observava fitando a parede, estando de costas para ela — , apalpou suas nádegas no primeiro encontro?  
  — Como sabe de tudo isso? Como sabe que nos foi o primeiro encontro, tanto quanto me apalpou as nádegas? — observou Moortje, em tom amargo.
  — Detalhes são mesmo necessários? — me virei para ela, num sorriso apócrifo —. Bem, o brutamonte certamente comeu o frango recheado com as mãos, o que as sujou e as engordurou — disse, começando a rodear o cômodo —, então, sem limpá-las, apalpou-lhe e deixou as marcas dedilhadas em seu vestido claro. Sobre o primeiro encontro, você não se reproduziria despojadamente para ver uma pessoa de sua rotina corriqueira, essa reprodução devia-se á alguém especial. Que quisesse impressionar. Agora, Moortje, ou melhor Srta. Licht, com sua licença, tenho um caso para resolver  — levantei-me e a conduzi até a porta, a abri e Moortje protestou uma última vez:  
  — Você pode ser o melhor detetive de Amsterdã, mas isso não lhe dá motivos para espiar a vida de todos — disse já no lado de fora.
  —  Por Deus, Srta. Licht, eu apenas observo além do que vejo — nisso, fecho a porta e me estiro em minha cama, jogando a ficha do crime no criado mudo ao lado —.  
     Essa conversa dedutiva custara-me tempo, era hora de me sentar na escrivaninha e montar esquema que me levaria á resolução do caso. Ainda de pijama, comecei o estudo. O crime havia poucas pistas evidentes, chegara a mim prematuro e livre de qualquer detalhe: o corpo de um homem calvo, bem-vestido — usava um sobretudo e colete por baixo, sapatos da elite e jóias —, foi encontrado no interior de um cupê, cujo o dono não é mencionado na ficha. Pela foto que estava em minhas posses, havia certa escrita do lado do veículo, no ferro, parecia ter sido arranhada. Nela, li com muita dificuldade: "Peter H.". No mesmo instante, apanhei livros de cocheiros que havia na estante de meu quarto, com nome e como telegrafar para todos eles. Passei  por vislumbre nos nomes, até que achei os seguintes: Peter Hond e Peter Homogeen. Os dois tinham como inicial de sobrenome a letra "H". Mas o que me levou ao dono foi o fato de que Peter Homogeen dirigia cabriolés, e Peter Hond, cupês, onde o corpo foi achado.  
     Nisso, fui me trocar pois tinha de bater minhas asas investigativas. O dia estava frio, afinal, era outono; o dia nublado e pouco movimento. Típico de segundas-feiras monótonas. Logo apanhei minhas vestimentas mais quentes: sobretudo escuro de lã, um colete bege e meu chapéu preto. Por mais que não fossem me aquecer tanto quanto fiz parecer, admirava aquelas vestimentas.  
    Contudo, fiz sinal para o cocheiro, dei o endereço para qual queria ir, e assim parti num cabriolé com cavalos marrons, para o primeiro suspeito.  
     Peter Hond era um fazendeiro ordinário, que vivia numa casa simples no vasto campo verde. Vivia de suas cabeças de gado e de dirigir cupês. Tinha um de sua própria autoria, o que o indicou como primeiro suspeito. Chegando lá, parecia-me um lugar inóspito, pois o vento que soprava em minhas orelhas era o único som audível. Pedi ao cocheiro que parasse a duzentos metros de distância, para que eu pudesse observar minuciosamente a trilha até sua casa; de repente, poderia mostrar marcas da roda no solo, o que poderia indicar desespero do fazendeiro. Sem sucesso, apreciei os horizontes verdes, até, finalmente, alcançar sua residência. Na parte de fora de sua casa, havia seu cupê, livre de cavalos, coletei uma lasca de sua tintura e a depositei num plástico para que analisasse depois.  
     Com quatro batidas na porta, fui recebido calorosamente por sua criada Edith, de cabelos louros amontoados com o coque, seus olhos azuis me diziam para entrar. Agradecia hospitalidade e, sem demora, perguntei sobre o Sr. Hond, a criada me respondeu que ele saíra, mas que voltaria depois de organizar seu pastoril, o que não demoraria muito tempo. Edith me deu a liberdade da casa, pude adentrar todos os cômodos rústicos e verificar livros.  
    Tomando certa liberdade, tentei não parecer vil para ela, como um intruso; porém tinha de ter notas o mais rápido possível. Entrei no quarto de Peter e me deparei com duas grandes janelas que clareavam o quarto por inteiro, havia livros de cavalaria no chão e uma escrivaninha ao lado da cama. Uma vela morna me chamou atenção quando passei por perto do escrivão, tinha sido apagada há pouco tempo, mas o que o levaria a acender uma vela, sendo que seu quarto já estivera iluminado? Isso foi uma questão boba, mas confundível. Sob a escrivaninha havia um tinteiro e uma pena, pedaços de pergaminho e um livro de cavalaria aberto; o que não me levou a nada. Contudo, nada naquele homem me parecia suspeito, ele demonstrava ser apenas um civil tentando ganhar o mínimo digno de um humano. Me assustei quando a criada me chamou, na porta do quarto do fazendeiro, para oferecer-me chá, aceitei, nisso desci as escadas de volta para a sala.  
    Tomei o primeiro gole daquele chá aguado quando ouvi passos na grama, era Sr. Hond. Enfim chegou, o homem de estatura baixa, costeletas prolongadas ao rosto, dentes de rato e macacão de um trabalhador rural:
   — Sr. Hond! Que honra conhecer o senhor! — levantei-me e estirei o braço para cumprimentá-lo, com um sorriso forçado —. Vejo que tem trabalhado duro no meio rural, se me permite dizer, A propósito, sou Dominic Van Geboorte, o detetive que apurará o caso do corpo dentro de seu cupê.
   — Oh, sim! Sr. Van Geboorte  — correspondeu ao meu cumprimento, com rosto expressivo de surpresa  —, estava a sua espera. Tem algumas perguntas para mim, eu suponho.
  — Sim, senhor. Se conveniente respondê-las, claro  — disse puxando do bolso de meu colete um bloco de notas e uma caneta-tinteiro —. Também há acusações, se não se incomodar. Preciso saber a origem de tudo; primeiro, como achou o corpo?
  — O corpo estava estirado no interior da cabine do cupê. Não sei como foi parar lá.
  — Há alguma suspeita levantada de quem executou tal ato?   — Não, mas posso lhe dizer que estacionei meus cavalos para repouso, pois havíamos corrido muito com os clientes. Quando voltei, me deparei com a cena.  
  — Onde repousou seus cavalos? — perguntei largando o bloco e a caneta nos joelhos e acariciando o queixo —.
  — No lado direito do canal principal de Amsterdã, não consigo citar nomes. Porém, achei um símbolo riscado com o que parecia chave, na porta do meu veículo, pela parte de dentro.  
  — O senhor saberia que me dizer, por estimativa sequer, que horas eram? — cerrei os olhos, confrontando-o —.
  — Eram, mais ou menos, oito da noite.
  — Ótimo, Sr. Hond! — exclamei levantando-me rapidamente e em mãos meus utensílios. Nem apertei-lhe a mão, agradeci-lhe o chá e me retirei —.  
    No final, não consegui acusar Peter. Com todas as deduções que fiz rispidamente em minha mente, não consegui enxergá-lo como culpado. Não levantei nenhuma pergunta acusativa a ele, pois já sei que é inocente, Me dirigi ao necrotério, antes de ser velado, tinha de fazer uma última consulta á minha vítima.  
    Foi dificultoso conseguir um cabriolé na fazenda, mas consegui em tempo. Eram uma hora da tarde e, de acordo com meus cálculos, tinha de estar em casa até as cinco para começar as minhas investigações.  
    Queria economizar tempo, por isso, despistei a recepcionista que estava desatenta na hora que pousei com meus pés em terrenos mórbidos. Sabia que o corpo tinha de ter um símbolo, as gangues americanas fazem isto; deixam sua marca no corpo e no local onde o crime havia sido cometido. Puxei gaveta por gaveta, até achar um corpo com uma espécie de anel rasgado na pele. Não deixar Sr. Hond descrever a figura para mim, foi prejudicial depois, pois não sabia pelo quê exatamente estava procurando. O nome da vítima era "Christian Van Deen", que carinhosamente era conhecido como "Christie". Coletei uma amostra de suas digitais, logo as levaria para minha casa, onde, recentemente, comprei um microscópio. Com a lasca de ferro de sua carruagem e com a digital de Christie, o caso estava quase todo resolvido, se estivesse onde pensei que estava. Saí tão sorrateiramente quanto entrei, despistando todos os olhares profissionais.  
    Logo estava em casa, onde analisaria minhas coletas. Acendi meu cachimbo para me ajudar a pensar e deduzir o que levaria a morte do homem calvo.  
    O máximo que eu poderia fazer, era comparar as amostras. Não tenho acesso a tanta tecnologia, afinal, é 1887. Mesmo assim, cheguei a conclusão de que era mesmo Christie que estivera estirado á dentro. E, pelo que analisei no necrotério, não exibia sinais de violência, ao não ser pelo anel desenhado rasgado em sua pele. O que me leva, então, a pensar que poderia ter ido envenenamento, o que seria menos provável. Contudo, a inserção do veneno não ocorreu pela boca, e sim foi contraída pelo rasgo exposto que mencionei, como se tivesse sido infectada. Então, se não houve nenhum sinal de homicídio proposital, o homem poderia sido morto por acidente, mas por quem? Por quê?  
    Ouço duas batidas lentas na porta, com certeza não era Moortje, reconheci pela frequência dos sons: era Fritz, o oficial de polícia que recebia e tentava resolver alguns casos. Abri a porta e lá estava: o homem com uma cartola, bigode espesso e óculos redondos. Usava uma roupa digna de um cavalheiro fiel ao policiamento.
  — A Srta. Licht lhe entregou o caso não? — disse rispidamente, dispensando cumprimentos.
  — Boa tarde, Oficial Van Persen — cumprimentei, logo fechando a porta para que pudesse expor seus assuntos —. Sim, ela me entregou, aquele cru de detalhes, sem qualquer característica que eu pudesse deduzir algo. Estranhei que não me telegrafaram assim que encontraram a cena do crime, pois assim poderia analisar mais minimamente.
  — O caso teve de ser apurado com rapidez, meu jovem — disse, tirando sua elegância ao sentar-se em minha poltrona —. A propósito, não confiou suas deduções a qualquer coisa que Moortje lhe disse, não?
  — Não encontro válvulas para a sua desconfiança da agente, além de sempre ignorar suas afirmativas. Por favor, aceite um charuto.
  — Se não for muito incômodo acendê-lo para mim, Senhor Van Geboorte — ironizou, nisso pus seu charuto dentre seus lábios e os queimei —. Na verdade, Dominic, a sua mente é realmente dotada de inteligência. Porém, ao tentar enxergar as coisas pertencentes á minúcia, não observa as essenciais.
  — O que quer dizer, oficial? — questionei baforando a fumaça do charuto em sua direção.
  — Meu ponto é que, Moortje não é confiável. Trai até mesmo seus mais fiéis escudeiros. Quando quis entrar para o governo, a ficha que ela nos propôs estava tão livre de informações, quanto a deste caso. Porém, o Sargento quis incluí-la no posto porque suas metas nos testes, tanto físicos como psicológicos, ultrapassaram a meta esperada. Nunca me esquecerei, houve um caso de roubo que cobri que, de alguma forma, o preso conhecia a Srta. Licht, e gritou: "ela nos pertencia, Moortje nos pertencia!". Até hoje não discerni o que poderia ter sido aquilo.  
    Não dei muita importância ao que Fritz me dissera, pois vivia criando antagonismos com todos com que convivia. Em pé, olhando para ele, não silabei uma só palavra, o cheiro de tabaco forte já nos dizia muito do momento de lazer que havíamos involuntariamente criado ali. Me ocorreu que foi o único momento do dia em que parara para fazer algo que não fosse investigar, mas logo apressei meu companheiro que, com as pernas cruzadas, aproveitava o ócio do momento:
  — Diga-me logo o porquê de ter vindo aqui, oficial. Tenho trabalho a ser feito.
  — Além alertar-lhe sobre a moça, vim trazer-lhe uma informação de grande utilidade: descobri onde morava Christie. Por mais que seja um chefão do crime, preferiu manter a simplicidade se alojando num local daqueles.
   — Ora, por que não me disse logo? — exclamei, abrindo os braços com o charuto pendente na boca — Teria adiantado muito o meu trabalho. Agora dê-me logo o endereço e retire-se!  
     Sem reclamar, o velho — deveria ter uns cinquenta e quatro anos, ora então nem não velho assim — me entregou um panfleto com o endereço cujo o nome não me lembro, levantando-se. No mesmo instante me disparei para o quarto para apropriar-me de mais uma investigação. Esqueci completamente que o oficial ainda estava de pé no meio da sala, apanhei meus utensílios (lupa, caneta-tinteiro, bloco de notas). E abri a porta, ele protestou e disse que me acompanharia até a casa. Então, partimos.  
     Descemos em frente a casa, era um prédio típico de Amsterdã, com bloquinhos marrons alaranjados com nove janelas só na parte frontal. Fitamos, sem silabar absolutamente nada, o prédio. Depois entramos. Surpresos que não havia nenhuma faixa de "interditado" na entrada do prédio, a porta também estava destrancada.
  — Poderíamos dar uma ótima dupla, Dominic — finalmente disse Fritz, por mais que esperava que ele disse algo que descrevesse tons de surpresa —.
  — Eu me sinto incomodado, tanto quanto sinto que estou tendo meu território invadido quando faço trabalho cooperativo. Não me interesso em juntar-me a você, sem posteriores ofensas, por favor.
  — Não, eu, hm... Bem, vamos logo investigar.  
     Os pequenos respingos de sangue eram evidentes, estavam espalhados um tanto pela parede direita e esquerda do vestíbulo. O papel de parede tinha pequenos rasgos que, imaginando a aflição, deveriam ter sido provocados por unhas compridas. Uma poça de sangue (seco) estava na passada do vestíbulo para o corredor, nela o assassino de Christie poderia ter pisado acidentalmente, pois percebia-se que dera três passos — por pegadas sanguíneas —. O que poderia indicar que se importara de pisar ali, e que, de alguma forma, queria reverter o feito. Diante desses, observei mais algumas pegadas de sangue com um número mais elevado de calçado, e percebia que a sola era diferente. Comecei a considerar que o malfeitor talvez não quisesse ser percebido, ou não quisesse realmente matar o homem, mesmo assim, não dava pra impedir que o sangue jorrasse.  
    Seguindo as pegadas, fui conduzido até uma sala que, aparentemente, era de visitas. Onde a vítima tinha suas horas de lazer fumando ou lendo. Lá, havia sangue acumulado em um lugar específico, na frente de sua poltrona, onde obviamente, tinha sido assassinado.  
    Fiz minhas anotações, agachei-me para visualizar melhor os cantos da sala e depois, com um suspiro que assustou Fritz, levantei-me rapidamente, indo para fora da casa. Este repente me ocorreu pois, supradito, comecei a relevar o fato de que o indivíduo não gostava de sujar suas mãos, usaria luvas. Mas na pressa que deveria estar para esconder o corpo, as jogou no lixo de fora, que havia coleta de lixo naquela noite; o que para minha sorte, não aconteceu. Lá estavam elas, as duas luvas, um par perfeito que, se bem analisadas, poderiam dar um fim no caso. Entretanto, se o criminoso não gostasse de sujar as mãos, além de analisar as luvas ele teria feito o quê? Usado capangas, é claro! Com esta descoberta, exclamei: "óbvio!", ainda lá fora. O oficial Van Persen expeliu-se para fora da casa com tanta rapidez, que achei que fosse um raio. Sem o deixar questionar, expliquei-o:
  — O assassino não queria ser percebido, oficial. Por isso usou este par de luvas. Contudo, esta ainda não seria a proteção necessária para não sujar as mãos; ainda tinha de ter capangas para lhe fazer o trabalho sujo! Por isso as pegadas diferentes, o que me leva a crer que estamos lidando com uma mente poderosa, que desvia todos de tudo o que faz. O assassino, calça consideravelmente bem menos que os capangas, e tem o salto do sapato mais fino, bem mais fino.. Com isso, os dois capangas do matador calçam o mesmo número que o senhor, altos, aproximadamente 1,80m. Porém, identifiquei outros calçados que também estavam no quarto, mas não entraram depois das machas de sangue serem feitas, que são os dois capangas que Christie também tinha.
   — Como soube quem era assassino e quem era capanga, Dominic?
  — O mestre sempre vai no meio, ou na frente, oficial, para  mostrar superioridade — expliquei.
  — E como sabe da altura dos capangas?
   — Ora, Fritz. Os tiros soados estavam na altura deles, óbvio demais. Ou não reparou neles, na sala? — disse, expressando ênfase —  O senhor não prestou atenção na parte mais intrigante: o salto do sapato era fino. Isso significa que, ora estamos lidando com o rei Luís XIV, ora uma mulher.  
    Esta afirmação deixou o oficial, meio corcunda e de meia idade, boquiaberto. Ele sequer ousou silabar protesto. Lhe aconselhei que fosse para seu escritório investigar casos mais fáceis e de sua natureza, já que este o causara dores de cabeça. O deixei lá, na frente da casa onde ocorrera o crime, não sei se queria aproveitar o cabriolé que peguei, apenas ficou parado, fitando poeticamente o fluido da água no canal.  
    Não quero que isto soe imparcial para as pessoas que tenho arredor, sei que talvez pareça egocentrismo egoísmo, mas eu trabalho e sempre trabalharei sozinho. Agora, tinha de me dirigir para meu lugar mais inóspito: minha mente. Acendi meu cachimbo e me parti para meu quarto, onde começaria as análises dedutivas.
    Tudo o que tinha era um par de luvas e o conhecimento de que a chefia de tudo, era uma mulher. Calçava um número digno de um pé de princesa, porém tinha a audácia de usar um salto alto fino. Com isso, pude perceber que a mesma não queria que soubessem da existência dela, por isso o par de luvas.
    Não sei o motivo decorrente, mas neste exato dia eu estava com a mente turbulenta quando mais precisaria me concentrar. Disso, parti meu pensamento de que o estalar das chamas da lareira, seria reconfortante. Acendi, e nisso, fiz o uso de rapé para que pudesse acrescentar minhas ideias e ampliar meus horizontes diante o caso. Tudo o que fiz foi tentar encontrar um motivo para o assassinato, porque com isso, tudo estaria resolvido; tenho acesso a várias fichas civis na delegacia, o que eu poderia desfrutar bajulando Van Persen, mas não achei uma explicação plausível para o feito. Foi daí que surgiu o pensamento de que, se a mulher não quisesse ser descoberta, havia duas possíveis explicações: ela tinha uma reputação a preservar ou apenas não queria ser presa. O segundo fato é muito óbvio, se ela realmente não almejava ceifar a morte de Christie, poderia muito bem ter mandado apenas os capangas, mas há algo que me intriga: pelo que parece, ela mesma queria encerrá-lo. Contudo, há um modo muito cordial e bem realizado com que tudo aconteceu, a morte aparentemente rápida, com apenas um golpe certeiro em cada capanga de seu inimigo. Certamente, tinha uma reputação a zelar. Daí excluí da minha lista negra civis comuns de quem poderia desconfiar, a mulher tinha que ter um alto cargo, ou algo que pudesse lhe permitir acesso a tudo e a todos.
    Com um pó negro que fiz utilizando carvão, pude desvendar as digitais que tinham dentro das luvas. Suas sutis digitais eram gastas, e tinhas espécies de rachaduras contidas nela, o que me entregava uma característica singular de meu criminoso. Mesmo sabendo de sua digital, poderia ser qualquer pessoa que ocupasse um cargo significativo, como o rei da Inglaterra, então seria impossível ter acesso á essa informação.
   Recebi um telegrama de Moortje, para que eu a encontrasse numa catedral importante da cidade daqui 40 minutos. O fiz, depois deste tempo, lá estava eu com meu chapéu, sobretudo bege, colete cor de mel e cachimbo aceso. Fazia um frio considerável, e o vento soprava, uivando em meu cachimbo. Com alguns minutos de atraso, lá estava ela. Vestindo preto como sempre, porém com o corpo obrigatoriamente mais coberto devido ao frio, batom vermelho e com as mãos nos bolsos. Me surpreendi com o fato de que ela não tentou me vender suas especiarias logo de cara:
  — Soube que você e alguém da polícia foram investigar o local do crime, provavelmente já tirou algumas conclusões... minuciosas.
  — É, fui lá com o oficial Van Persen, quem não ajudou em nada. Mas você está certa, srta. Licht. Se me permite perguntar, a que lhe devo este encontro?
  — Á mim — disse em tom suave. — Como uma cidadã e cliente, não como sua conhecida do governo. Quero um conselho, Van Geboorte.
  — Ora, então prossiga — revelei depois de um silêncio escaldante. — Estarei grato a ajudar-lhe no que for capaz.
  — É minha mãe. Ela está com um de seus vários problemas á vícios químicos, não tenho notícias dela há dois meses, nem sequer sei se ainda repousa os pés sobre o mundo. Já fiz de tudo para ajudar, queria saber, partindo de seu frio coração, se ainda devo correr atrás dela. Meu espírito diz que sim, mas meu lado lógico conclui que não devo, que já fiz demais e que ela jogou todas as minhas esperanças, de a tirar desse mundo químico, fora.
  — Hei de convir que ela fez descaso de suas ações. Mas ela ainda é sua mãe. Me dê o nome dela, posso ajudar na procura, se me couber. — apaguei o cachimbo para mostrar-lhe respeito, então Moortje tirou do bolso o RG de sua mãe. Anotei num bloco de papel o nome. Sem perceber, tinha sido indelicado com o conselho que a moça me pedira, imediatamente incluí o fato de que a mãe de Moortje ser envolvida com drogas, ao caso da morte de Christie, ambos eram envolvidos com a substância — De qualquer forma, Srta. Licht, ela ainda é sua mãe. E não há esforços a serem medidos em relação ao amor materno, certamente, quando a acharmos, resolveremos este problema tão delicado que é o dela com drogas. Então, não se estresse quanto ao paradeiro dela, pois farei o possível para achá-la.
  — Foi de muita importância o seu conselho, Dominic — disse ela com lágrimas pendentes nos olhos. — Achei este documento na casa dela há duas semanas, fui para matar a saudade de casa, e voltei com mais saudade ainda.
  — Se me permite, Srta. Licht, tenho um caso urgente a ser resolvido. Está entardecendo e ainda tenho uma viagem dedutiva noturna para tomar — concluí virando-me e saindo ás pressas. Acenei para o primeiro carro que vislumbrei e o mandei para a delegacia. Estava com pressa e a viagem me parecia muito mais lenta do que costuma ser.
    Pulei do cabriolé e paguei o cocheiro numa fração de segundos, invadi o recinto policial e logo corri para onde sabia que o Oficial Van Persen estaria. Lá, ele estava fazendo um escrito á coroa Holandesa que teve de ser interrompido só pelo o olhar que o lancei:
  — Oficial, por ignorância, o caso está ficando mais claro! — exclamei, o fazendo largar até mesmo a pena — Preciso da ficha de uma cidadã holandesa o mais rápido possível, seu nome é Amélie Licht, isso custa o fim de nosso caso — Fritz Van Persen nunca me parecera tão abismado e apressado. Com brio, abriu uma parte de ser gaveteiro e folheou fichas, até puxar uma rapidamente e abri-la na mesa.
  — Se não fosse interrupção de sua linha de raciocínio, gostaria de saber o motivo da agitação, Dominic, e o porquê disso custar o fim do caso — questionou, me fitando enquanto lia depressa os papéis —.
  — Você já saberá, Fritz, já saberá — balbuciei quanto espalhava as papeladas. Numa envergadura de minha face e de um pulo que não consegui conter, o oficial me fita com estranhamento. — Isso é fantástico! Por tolice de minha mente, todos os pontos fazem sentido, agora preciso recolher detalhes minuciosos o suficientes para concretizar e, quem sabe, formar novas teorias promissoras.
  — Por obséquio, posso te perguntar o que lhe faz tão contente?
  — Ora, meu caro Van Persen — respondi com o sorriso estampado de orelha á orelha —, praticamente resolvi o caso do assassinato de Christie. Antes que me pergunte como, essa cidadã, Amélie, é nossa nova suspeita. Moortje me telegrafou, declarando que a encontrasse na catedral, a encontrei, acabei de sair de lá por sinal, me pediu um conselho em relação á sua mãe que estava imersa no mundo do vício químico. Logo, por impertinência de minha mente, a liguei ao caso, pois o assassinado tinha ligação com este mesmo campo, e vendia drogas freneticamente. Tudo tem se juntado sem que eu me esforçasse para perceber, até um morcego cego seria capaz de ser lógico o bastante. E, pelo que li nesta ficha civil, ela já tem passagem criminalística pela polícia por portar, usar e vender as substâncias de modo abusivo. Os pai de Amélie era francês, sua mãe, holandesa; embora não veja de que essa informação lhe seria útil. Em resumo, Amélie tem envolvimento com o crime, ou alguma ligação indireta.
  — Notáveis habilidades — orquestrou por fim. — Mas, por mais que ela possa ter certa influência, não vejo que ela teria discernimento para ser tão precisa ao matar aqueles homens, considerando que estivesse sob efeito químico.
  — Analisarei o caso, e voltarei amanhã com ele resolvido. Está duvidando, eu presumo, mas essa ficha foi água no meio do deserto para este caso — virei-me e saí, parti para casa e logo acendi a lareira para tornar o ambiente mais agradável.
    Parti para meu escritório onde separei, com cuidado, as pessoas pelo qual achava suspeitas e, com as mãos pesadas, incluí a mãe da srta. Licht. Logo, apanhei meu único e fiel companheiro, microscópio. Examinei minuciosamente, anotando quaisquer indícios suspeitos que houvesse no documento de Amélie, e, por sorte, notei pequenos farelos na borda. Não sou especialista em detectar substâncias quimicamente modificadas para prazer alucinógeno, mas, pela monografia que fiz na faculdade de medicina, pude perceber que era cocaína. Depois, dentro do plástico que envolvia o papel, havia o endereço definitivo da mãe de Moortje.
    Além de descobrir a causa e o assassino de Christie, ainda tinha que chegar ao paradeiro da sra. Licht, como prometido. E não entregaria um enquanto despia-me de outro, havia de ser ambos sucessos. Quando finalizei minha pesquisa aos documentos, já era tarde de noite, aproximadamente onze da noite, mas, mesmo assim, decidi ir a casa onde tudo aconteceu. Não havia carros com tanto ardor que havia a tarde, obviamente. Contudo, esperei pelo cupê que me levou até a casa que ainda estava trancada. Quando entrei, não havia nada de diferente do que eu vira a primeira visita que fiz, as manchas de sangue, o tiro. Me dirigi, sem rodeios, ao quarto onde tudo aconteceu e ignorei as pistas que encontraria mais tarde no vestíbulo. Nos aposentos do assassinato, verifiquei as prateleiras com minha lanterna e não achei nada que ligasse a dependente química ao caso, até que resolvi puxar as gavetas de sua mesa de escritório. Não achei nada que me fosse favorável a solução desse ponto de interrogação enorme, até que esvaziei a última gaveta inteira e achei uma caixa de madeira, com uma paisagem do campo gravada nela, que estava escrito "clientes" na lateral. O artefato era trancado á chave, e, finalmente, achei no fundo da primeira gaveta. Abri, e estava organizado a quem vendia drogas e Amélie Licht era a primeira na lista de chamada, nela estava carimbado "dívida mortal" com tinta vermelha. Isso evidentemente significava que era um mandato de morte á moça, e comecei a cogitar que ela teria possivelmente morrido, mas uma explosão ocorreu á mim quando lembrei que Moortje dissera que fazia duas semanas que ela achou o documento de sua mãe, em sua própria casa. Ou seja, a drogada não está morta.
    Já com esta descoberta, mal estava contendo a felicidade, quando resolvi parar no vestíbulo, onde os primeiros homens morreram. Acendi várias velas no local para não perder sem uma minúcia sequer, nisso um brilho cintilante prateava em meus olhos, quase me levando á cegueira temporária, era um anel que estava no canto do cômodo, era pequeno e nunca seria visto na luz mansa do dia. Agachei e fiquei de quatro, analisando com a lupa primeiro, para depois apanhar o objeto, via-se uma criatura de feições egípcias. Essa era uma descoberta de grande valor, e com certeza deveria ser levada em conta.
    Minha expedição noturna não tinha acabado, rápido como a velocidade da luz, saí daqueles aposentos para ir á casa da sra. Licht. O cocheiro deveria estar com sono, pois o carro se perdia com os cavalos ás vezes, afinal, eram uma da manhã. Cheguei na casa humilde e de tamanhos reduzidos, tinha uma pintura agradável de turquesa e tijolos alaranjados, uma harmonia de respeitável gosto. Entrei, tudo era dividido pelos móveis, num cômodo só: a sala, o quarto, a cozinha. O cheiro de tabaco era forte para enganar o odor dos químicos ingeridos, os móveis eram gastos e rústicos. A geladeira enferrujada continha os lembretes mais gritantes como: "Pagar C" repetidas vezes e "recorrer ao escritório de contabilidade A&S". Resolvi analisar mais o interior da casa tão singular e encontrei um par de botas de couro marrons recostadas no sofá, de imediato desconsiderei que as botas de salto fino eram da senhora-mãe, o que excluía ela da lista de suspeitos de assassinato de Christie. Por mais tarde que fosse, eu fui ao escritório que sabia onde se localizava e sabia que era aberto vinte e quatro horas, seria lá que eu encontraria Amélie e a faria contar tudo o que sabia sobre o chefe das drogas, que era claro que conhecia.
  — Cocheiro, siga para o endereço nº 263, rua Princesengracht! — exclamei seguro de minhas incertezas —.
    Chegando lá, não havia nenhum que notasse minha presença e infiltração sem prévio aviso, afinal, poderia ser um cliente. Com tranquilidade, perguntei a uma secretária de cabelos dourados amarrados em rabo de cavalo, usava óculos redondos e neles continham olhos verdes, onde estaria a senhora Licht, porque sabia que ela estava por lá. Nunca presenciei tal palidez em uma pessoa que quase pude ver, entre sua pele, seus órgãos e sistema esquelético. Ela tentou procurar refúgio nos olhares de outra pessoa, para que ela a pudesse acolher, mas logo notei e percebi que olhavam para as escadas que davam pro segundo andar. Saí em disparada pensando que eles pudessem correr atrás de mim, de modo que me alcançassem. Subindo as escadas, entrei numa área proibida que era a poucos  metros de onde trabalhavam funcionários em áreas fechadas. Entrei e logo após tranquei a porta e coloquei uma mobília na frente. Lá, havia uma parte em formato de porta, contornado em azul na parede, empurrei-a e logo caí em mais uma escadaria para mais um andar acima. O silêncio depois do bater da entrada secreta, era exagerado. Com isso, pude ouvir somente uns choramingos distantes e femininos, me aproximei e pude ouvir a voz de Moortje sussurrando que alguém estava vindoz com certeza, e que ela o mataria. Subi as escadas com passos leves, e logo vi uma mulher abraçada com os joelhos que mudara de feição enquanto me fitava: de triste e desesperada, para apavorada e amedrontada. Essa mesma mulher apresentava uma feição física muita fiel a de sua filha, srta. Licht, e com certeza era a mãe viciada. Estava em boa forma para quem usa drogas com tanta frequência com a qual me descreveram, havia poucos fios brancos pendentes em seu cabelo preso em um coque. Logo, a mulher que estava de costas, minha colega, vira-se com o olhar irônico, como se esperasse o acontecimento daquilo tudo:
  — Como esperado, sr. Van Geboorte, eu sabia que viria — disse a filha de aparência sedutora, com o cabelo preso num coque, portando uma pistola. — Esperado do detetive mais minucioso da Holanda.
  — O que quer dizer ao porte dessa arma e a esta senhora? — logo questionei, apontando para sua mãe —  O que está tramando?
  — O planejado desde o começo, Dominic — disse ela apontando a arma para minha cabeça, engatilhando-a. — A sua morte.
     Neste momento meu coração paralisou, foi como se o tempo tivesse parado. Como pude ter sido tão burro a ponto de não enxergar que Moortje não era confiável? Van Persen me alertara e eu não ouvira.
  — Minha mãe foi apenas uma intermédia para este nosso encontro, o último. A usei para atrair-lhe para cá, e parece que funcionou. Esta velha não deixa de ser uma drogada, mas funcionou bem perante minhas distrações.
  — E quanto a morte de Christie, hum? Achei algo que concretizou a sua culpa lá.
  — Eu teria de matar Christie de qualquer modo, minha mãe devia para ele, ela estava na sua lista negra. Eu precisava da velha para termos este encontro charmoso. Não nego que não quis que fosse percebida como assassina oficial dele, pois seria percebida pela polícia e acusada. E eu vi, cada passo seu, cada pista seguida, cada local visitado; assim, pude prever seus movimentos. Meus homens te seguiram até meia hora atrás. Incriminar o camponês Peter Hond, também foi um movimento bem preciso de minha parte, não acha?
    O silêncio total tomara conta do quarto, estava trêmulo e confuso. Minha teoria estava certa:
  — Ah, Dominic Van Geboorte, como você se acha experiente no mundo da minúcia quando na verdade, há muito de aprender — disse ela com ar e ironia, balançando a cabeça —.
  — Ah, Moortje Licht, não queira ensinar os mestres. A senhorita acha que sou idiota? — no mesmo instante, gritei um código que havia combinado com meus homens para chamá-los: "mordeu a isca!". Assim, vários agentes saíram de mobílias falsas, e apontaram suas armas para a cabeça das duas criminosas. Para a minha surpresa, ela não ameaçou atirar em mim, pois como suspeitei, estava sem munição. Não reagiram á prisão, as algemas foram traçadas sem prévias resistências.
    Quando, fracassadamente olhou para cima, Moortje questionou:
  — Como? Como soube todos os meus movimentos?
  — Foi fácil. Tudo foi novidade para mim até que eu conseguisse as luvas, depois foi pura arte. É incrível que, uma mente tão capacitada como a sua, tenha cometido um erro tão grave: se meter comigo. Quando o oficial Van Persen me alertou sobre você, já desconfiava pois as pegadas coincidiam exatamente com as botas que você usa, bem finas. Srta. Licht, a mulher que já foi professora de artes marciais, conseguiu derrubar os gigantes de Christie, cada qual com um golpe, outro ponto positivo para a sua prisão. Quando você me convidou para irmos á catedral, foi o ápice de seu álibi, pois pude confirmar o tamanho de suas botas, e sua inocência forçada. Quando vi o endereço dentro do documento, tive a ideia de ir a casa de sua mãe apenas para concretar as informações, que me dera e para dar a falsa impressão que estava sendo enganado. Antes eu tinha ido á cena do crime, onde eu encontrei o anel, coisa que, certamente, você não esperava que eu encontrasse. Quando encontrei o anel, pude ter certeza que era você a assassina, pois havia antes uma certa incerteza, por mais que eu já esperasse encontrá-la aqui. O Anel da Sedução, Nefertiti: a rainha mais poderosa do Egito, esposa do faraó Akhenaton que construiu vários templos dedicados á ela, que era a única encarnação de uma divindade na Terra. Usou sua imensa beleza, sabedoria e astúcia para ser desejada e adorada, uma vez que tinha mais poder que o faraó, também espalhava o miticismo pelo Egito, bem fruto de suas características. Coisa que teria perdido se não tivesse me formado em História.
  — Você não era formado em Medicina? — fui surpreendido pelo oficial Fritz Van Persen, que punha a mão no meu ombro —.
  — Meu caro Van Persen! É uma das minhas quatro graduações — me exibi, estufando o peito —.
  — Como? — insistia Moortje — Como pôde avisá-los a tempo? Meus homens sempre estiveram atrás de você!
  — Você mesma disse — comecei pacientemente —, srta. Licht, que seus homens me seguiram até meia hora arás. Tempo de fazer um telegrama urgente á delegacia. Oh! Cuidado na escada, senhorita! — disse, enquanto ela era arrastada, com indignação estampada no rosto, para á saída —.
    Nos reunimos todos e saímos do prédio, as aventuras noturnas eram as mais empolgantes e esse, com certeza foi um belo trabalho cooperativo. Sou sempre tachado como egoísta, egocêntrico e arrogante mas, no fundo, me diverti com essa experiência social. Na frente do edifício, eu e Van Persen nos despedíamos:
    — Não tive a chance de te elogiar, mas é um homem de inteligência admirável, sr. Van Geboorte. Quatro graduações, se me permite, quais são? — me fitava o oficial de modo inquieto —.
   — Ora, oficial, me formei em Medicina, História, Direito e Letras. Exatamente nessa ordem. Agora, se me permite, descansarei minha mente, repousando-a num travesseiro aconchegante. Boa noite, oficial Van Persen — me afastei com um cumprimento de cabeça, tirando e pondo meu chapéu de volta —.
   Fui traçando o caminho de casa com um charuto em mãos, pensando que poderia ter uma bala afundada em meu peito se minha teoria sobre a munição estivesse errada, mas correu tudo bem, e a senhorita Licht não incomodará outro detetive pelos próximos anos.



domingo, 25 de setembro de 2016

Contos de noir e mistério

     Olá, leitores! Ultimamente fiquei inspirado pelas séries de contos e romances de Sherlock Holmes e, decidido que estava fascinado com o tema, resolvi escrever meus próprios contos. Meus contos serão postados aqui e em partes que serão postadas uma vez por semana (ou quando me convém).
     Espero que vocês acompanhem a jornada de Dominic Van Geboorte, um cavalheiro solo que habita sua mente inóspita, desvendando casos criminalísticos em 1887, período em que se locomovia em cabriolés e cupês, e que se dispunha ao corpo chapéus estilosos e sobretudos de tirar o fôlego.

quinta-feira, 8 de setembro de 2016

Maratona de Livros #4: Homem-Formiga: Inimigo Natural

     Olá, leitores! Depois de muito tempo que li, resolvi fazer a resenha do livro "Homem-Formiga: Inimigo Natural". Uma obra muito bem estruturada escrita por Jason Starr, que aceitou fazer parte do universo Marvel por algumas páginas, O conteúdo do livro não está obsoleto, pelo contrário, está fresco em minha memória.
     Este livro não trata-se da origem do Homem-Formigo, mas sim, um conto que aprofunda mais em seu universo e rotina. Depois de ter ocorrido com Scott a maravilha do traje, ele começa a levar sua vida mais seriamente. Cassie, sua filha, agora está morando com ele. A garota é uma adolescente inteligente, maravilhada por robótica e mecânica assim como seu pai, entrou para uma escola de prodígios e estava indo tudo muito bem - petulantemente veste o traje do pai por curiosidade, e isto resulta numa confusão -; até que o "amigo" de Scott foragido da cadeia, ressurge. O perigo é constante, tanto que  o governo enviou seguranças para ele e sua filha, por precaução; o que não sabiam, é que seu esforço preventivo era fútil, pois estavam tentando assegurar um super-herói.
      O seu inimigo estuda e analisa cada passo que deve ser dado para alcançar Scott minuciosamente, enviando armadilhas e pessoas para espionar sua vida ordinária. Cassie chega a ser sequestrada pelos agentes do arque-inimigo de seu pai que é premente quando o assunto é vingança. Ao mesmo tempo, há uma epidemia de suicídio de formigas, parecia que elas mesmas encerravam suas vidas. Nessa dicotomia, Scott tenta solucionar os dois casos e ligar os pontos, onde o leva á um endereço fora de sua área habitual. Nosso herói, então (há momentos que o traje apresenta falhas técnicas, e Scott precisa do auxílio de sua filha em algumas vezes para voltar em seu tamanho natural), encontra sua filha aprisionada em uma casa, onde há homens mortos estendidos no piso, como se houvessem o matado.
    Nessa história fascinante, posso notar que o autor não deixa de realçar detalhes quanto a vida, a tecnologia do traje e romances de Scott. A imaginação apenas flui, esvai pelo vento com a estrutura da obra. O livro aborda temas juvenis, como primeira paixão, amizades superficiais, tensão presente no Ensino Médio - sofrido por Cassie - entre outros mergulhos na vida adolescente. A prosa minuciosa de Starr acumula poeticidade mesmo referindo-se a pessoas do cotidiano, informais e com interesses vis.
     Recomendo o livro para todos, até quem não está inteirado na esfera dos quadrinhos, poderá se adequar com a vida de super-herói de Scott. ALERTA: se você não pretende ficar viciado num livro atraente com este, evite o mesmo.